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Estamos aí / Dia da criação / Tarde em Itapoã / Gente humilde

Vinicius de Moraes

Estamos aí
(Tom Jobim / Vinícius de Moraes / Toquinho / Chico Buarque)

Estamos aí
Gente amiga que muito se quer
Estamos aí
Pro que der e vier
Estamos aí
Pro amor e pra desilusão
Mas como é bom cantar
Musiplicar
A magia de cada canção

Música
Como é bom cantar
Música
Deixa pensar que pra amar é preciso fingir
Deixa dizer que é preciso mentir
Deixa falar que a poesia não pode existir
Deixa pra lá Estamos aí


Dia da criação
(Vinícius de Moraes)

I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.


Tarde em Itapoã
(Toquinho / Vinicius de Moraes)



Um velho calção de banho 
O dia pra vadiar 
Um mar que não tem tamanho 
E um arco-íris no ar 
Depois na praça Caymmi 
Sentir preguiça no corpo 
E numa esteira de vime 
Beber uma água de coco 

É bom 
Passar uma tarde em Itapuã 
Ao sol que arde em Itapuã 
Ouvindo o mar de Itapuã 
Falar de amor em Itapuã 

Enquanto o mar inaugura 
Um verde novinho em folha 
Argumentar com doçura 
Com uma cachaça de rolha 
E com o olhar esquecido 
No encontro de céu e mar 
Bem devagar ir sentindo 
A terra toda a rodar 

É bom 
Passar uma tarde em Itapuã 
Ao sol que arde em Itapuã 
Ouvindo o mar de Itapuã 
Falar de amor em Itapuã 

Depois sentir o arrepio 
Do vento que a noite traz 
E o diz-que-diz-que macio 
Que brota dos coqueirais 
E nos espaços serenos 
Sem ontem nem amanhã 
Dormir nos braços morenos 
Da lua de Itapuã 

É bom 
Passar uma tarde em Itapuã 
Ao sol que arde em Itapuã 
Ouvindo o mar de Itapuã 
Falar de amor em Itapuã

Tonga Editora Musical LTDA


Gente Humilde
(Garoto / Vinícius de Moraes / Chico Buarque)

Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Como um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar