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VINICIUS/TOQUINHO
Philips, 1975
Direção e Produção: Fernando Faro
Faixas letra/música
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1 - Turbilhão (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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2 - Onde anda você (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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3 - Um homem chamado Alfredo (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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4 - Se ela quisesse (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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5 - Acorde solto no ar (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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6 - Conjugação da ausente (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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7 - Maresia (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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8 - Choro de nada (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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9 - Meu pranto rolou (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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10 - Choro chorado pra Paulinho Nogueira (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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11 - Soneto de separação (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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12 - As razões do coração (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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13 - Adeus (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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14 - O filho que eu quero ter (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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15 - Pedro, meu filho... (VINÍCIUS/TOQUINHO)
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Turbilhão
Mutinho, Toquinho
Venha se perder nesse turbilhão.
Não se esqueça de fazer
Tudo o que pedir esse seu coração.
Tem muita gente que só vive pra pensar;
Existe aquele que não pensa pra viver.
Eu, por exemplo, na paixão,
Mesmo que tenha que sofrer,
Eu abro o jogo e o coração
E deixo o meu barco correr.
Tem muita gente que não quer se complicar;
Existe aquele que não perde a sua fé.
Eu, por exemplo, meu amigo,
Pelo amor de uma mulher,
Eu viro a cara pro perigo
E seja lá o que Deus quiser. -
Onde anda você
Vinicius de Moraes, Hermano Silva
E por falar em saudade
Onde anda você
Onde andam os seus olhos
Que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto
De tanto prazer
E por falar em beleza
Onde anda a canção
Que se ouvia na noite
Dos bares de então
Onde a gente ficava
Onde a gente se amava
Em total solidão
Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares
Que apesar dos pesares
Me trazem você
E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você
Tonga Editora Musical LTDA -
Um homem chamado Alfredo
Vinicius de Moraes, Toquinho
O meu vizinho do lado
Se matou de solidão
Abriu o gás, o coitado
O último gás do bujão
Porque ninguém o queria
Ninguém lhe dava atenção
Porque ninguém mais lhe abria
As portas do coração
Levou com ele seu louro
E um gato de estimação
Há tanta gente sozinha
Que a gente mal adivinha
Gente sem vez para amar
Gente sem mão para dar
Gente que basta um olhar
Quase nada
Gente com os olhos no chão
Sempre pedindo perdão
Gente que a gente não vê
Porque é quase nada
Eu sempre o cumprimentava
Porque parecia bom
Um homem por trás dos óculos
Como diria Drummond
Num velho papel de embrulho
Deixou um bilhete seu
Dizendo que se matava
De cansado de viver
Embaixo assinado Alfredo
Mas ninguém sabe de quê
Tonga Editora Musical LTDA -
Se ela quisesse
Vinicius de Moraes, Toquinho
Se ela tivesse
A coragem de morrer de amor
Se não soubesse
Que a paixão traz sempre muita dor
Se ela me desse
Toda devoção da vida
Num só instante
Sem momento de partida
Pudesse ela me dizer
O que eu preciso ouvir
Que o tempo insiste
Porque existe um tempo que há de vir
Se ela quisesse, se tivesse essa certeza
De repente, que beleza
Ter a vida assim ao seu dispor
Ela veria, saberia que doçura
Que delícia, que loucura
Como é lindo se morrer de amor
Tonga Editora Musical LTDA -
Acorde solto no ar
Toquinho
Quando do meu violão
Solto um acorde no ar
É como quem bebe um chopp
Num canto de bar.
Ou quem sai do cinema
Com o amor de domingo;
Quem vai pra Bahia
Brincar no carnaval.
Quando do meu violão
Solto um acorde no ar
É como quem sente a vida
No tempo passar.
Ou quem busca na esquina
O amor de seu dia;
Quem faz da alegria
O seu quintal. -
Conjugação da ausente
Vinicius de Moraes
Foram precisos mais dez anos e oito quilos
Muitas cãs e um princípio de abdômen
(Sem falar na Segunda Grande Guerra, na descoberta da penicilina e na desagregação do átomo)
Foram precisos dois filhos e sete casas
(Em lugares como São Paulo, Londres, Cascais, lpanema e Hollywood)
Foram precisos três livros de poesia e uma operação de apendicite
Algumas prevaricações e um exequatur
Fora preciso a aquisição de uma consciência política
E de incontáveis garrafas; fora preciso um desastre de avião
Foram precisas separações, tantas separações
Uma separação...
Tua graça caminha pela casa
Moves-te blindada em abstrações, como um T. Trazes
A cabeça enterrada nos ombros qual escura
Rosa sem haste. És tão profundamente
Que irrelevas as coisas, mesmo do pensamento.
A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
Porque te participam. Fora, o jardim
Modesto como tu, murcha em antúrios
A tua ausência. As folhas te outonam, a grama te
Quer. És vegetal, amiga...
Amiga! direi baixo o teu nome
Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
Que te emoldura, fatigada, e ao
Corredor que pára
Para te andar, adunca, inutilmente
Rápida. Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança.
E no entanto avistava à poucos passos
Sua forma feminina que não era
Nenhuma outra forma feminina, mas a dela
A mulher amada -
Maresia
Toquinho
Instrumental -
Choro de nada
Eduardo Souto Neto, Geraldo Carneiro
No mesmo dia de sempre
A mesma hora marcada
Do mesmo lado da rua
O cheiro da madrugada
Eu vi a lua vazia
Uma vitrine apagada
Do outro lado da rua
Sentada sobre a calçada
Os bares quietos da vida
Essa cidade cansada
E esse encontro perdido
Essa tristeza danada
Retomo o rumo de casa
Na noite desconsolada
Você não sabe de tudo
Você não sabe de nada -
Meu pranto rolou
Raul Sampaio, Benil Santos, Ivo Santos
Meu pranto rolou
Mais do que água
Na cachoeira
Depois que ela
Me abandonou
Na minha vila tranquila
A vida eu levava
E nessa felicidade
A verdade eu não via
Ela vivia dizendo
"Não vou te deixar"
Ela queria fazer
O meu pranto rolar
E o meu pranto rolou -
Choro chorado pra Paulinho Nogueira
Vinicius de Moraes, Toquinho, Paulinho Nogueira
Quanta saudade antiga
Quanta recordação
O toque paciente
De tua mão amiga
Me ensinando os caminhos
Corrigindo os defeitos
Dando todos os jeitos
Pras notas brotarem
Do meu violão
Ah, como eu me lembro ainda
Cheio de gratidão
A hora entardecente
A nostalgia infinda
No modesto ambiente
Da casinha da praça
E eu em estado de graça
De estar aprendendo a tocar violão
E hoje nós dois
Tempos depois
Damos com nova emoção
Um novo aperto de mão
Neste chorinho chorado juntos
E que, tomara, renasça em muitos
Pois a maior alegria
É chorar de parceria
Num chorinho que é só coração
E relembrar que o passado
Vive num choro chorado
Pelo teu e o meu violão
Tonga Editora Musical LTDA -
Soneto de separação
Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente -
As razões do coração
Vinicius de Moraes, Toquinho
É uma saudade tão doída de você
Que eu não sei mais nada, não.
E é isso aí sempre que o amor não pode ser,
Sempre que a distância pode mais que o coração.
Olhos que se olham mas que não se podem ter,
Mãos que estão unidas mas não estão.
Olhe, meu amor, tudo que eu quero é não sofrer
Mais uma separação.
Fomos enganados pelo tempo,
Teu amor chegou tarde demais.
E o amor é sempre um sentimento
Que a separação não deixa em paz.
Pode ser assim, mas quem sou eu pra resolver
As razões do coração.
Olhe, meu amor, tudo que eu quero é nunca ser
Mais uma recordação. -
Adeus
Ismael Silva, Noel Rosa, Francisco Alves
Adeus! Adeus! Adeus!
Palavra que faz chorar
Adeus! Adeus! Adeus!
Não há quem possa suportar
Adeus é bem triste, que não se resiste
Ninguém jamais com adeus, pode viver em paz
(Foi o último...)
Adeus! Adeus! Adeus!
Palavra que faz chorar
Adeus! Adeus! Adeus!
Não há quem possa suportar
Pra que foste embora?
Por ti, tudo chora!
Sem teu amor, esta vida não tem mais valor
(Foi o último...) -
O filho que eu quero ter
Vinicius de Moraes, Toquinho
É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem
De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro bei..jo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter. -
Pedro, meu filho...
Vinicius de Moraes
Como eu nunca lutei para deixar-te nada além do amanhã indispensável: um quintal de terra verde onde corra, quem sabe, um córrego pensativo; e nessa terra, um teto simples onde possas ocultar a terrível herança que te deixou teu pai apaixonado - a insensatez de um coração constantemente apaixonado.
E porque te fiz com o meu sêmen homem entre os homens, e te quisera para sempre escravo do dever de zelar por esse alqueire, não porque seja meu, mas porque foi plantado com os frutos da minha mais dolorosa poesia. Da mesma forma que eu, muitas noite, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua.
E porque vivemos tanto tempo juntos e tanto tempo separados, e o que o convívio criou nunca a ausência pôde destruir.
Assim como eu creio em ti porque nasceste do amor e cresceste no âmago de mim como uma árvore dentro de outra, e te alimentaste de minhas vísceras, e ao te fazeres homem rompeste meu alburno e estiraste os braços para um futuro em que acreditei acima de tudo.
E sendo que reconheço nos teus pés os pés do menino que eu fui um dia, em frente ao mar; e na aspereza de tuas plantas as grandes pedras que grimpei e os altos troncos que subi; em tuas palmas as queimaduras do Infinito que procurei como um louco tocar.
Porque tua barba vem da minha barba, e o teu sexo do meu sexo, e há em ti a semente da morte criada por minha vida.
E minha vida, mais que ser um templo, é uma caverna interminável, em cujo recesso esconde-se um tesouro que me foi legado por meu pai, mas cujo esconderijo eu nunca encontrei, e cuja descoberta ora te peço.
Como as amplas estradas da mocidade se transformaram nestas estreitas veredas da madureza, e o Sol que se põe atrás de mim alonga a minha sombra como uma seta em direção ao tenebroso Norte.
E a Morte me espera em algum lugar oculta, e eu não quero ter medo de ir ao seu inesperado encontro.
Por isso que eu chorei tantas lágrimas para que não precisasse chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices te haverias também de perder.
E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses; e quanto mais amordaçado, mais gritavas; e quanto mais cego, mais vias.
Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei.
E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar: Assim é o canto que te quero cantar, Pedro meu filho...