voltarPara uma menina com uma flor

Guignard

Contou-me Aloísio de Salles, na inauguração da exposição de Guignard (que ninguém deve perder, ali no Museu de Arte Moderna), que o artista ficou felicíssimo no grande dia porque o deixaram entrar sem cobrar-lhe nada. A história dá bem a medida da qualidade do artista e pureza de sua arte. 

Eu acho Guignard um sujeito fabuloso. Houve tempo, antes de sua partida para Minas (de que é hoje o pintor- representativo), em que nos víamos mais. Guignard gostava muito de meter-se nas barcas da Cantareira e ficar trafegando, a ver a baía colorida. Lembro-me que um domingo, Carlos Leão e eu o encontramos numa barca de Niterói, e era dia de regata - o que deixou Guignard completamente indócil. Ficou debruçado como uma criança, a espiar o movimento dos ioles, a agitação multicor das bandeirinhas, o luminoso espetáculo marítimo que se lhe oferecia, assim em verde, azul e vermelho. De vez em quando, voltava-se para nós e, com gestos de pintor, reproduzia no ar quadros que via ora aqui, ora lá longe. Poucas vezes o vi mais agitado. Caloca deliciou-se, e eu também, com a espontaneidade infantil do seu entusiasmo. 

Guignard é, como se sabe, um grande marinhista - de um jeito diferente de Pancetti, mas também grande. Suas pinturas de mar têm muito mais encanto e frescor que as de Pancetti. Ele põe sempre milhões de barquinhos em composição meio primitiva, dá um ar de festa ao motivo que pinta, torna o mar uma coisa vibrante e encantatória. Hoje em dia, quase que completamente descarioquizado, ele depois de desenhar e pintar muito essas queridas montanhas de Itatiaia (sim, muito queridas para minha lembrança), passou-se todo para Minas, onde criou sua esplêndida escola de pintura (cheia de bons frutos) e onde tem vivido e desenhado lindas paisagens das serras e do casario colonial com a mão mais delicada que já viu a pintura brasileira. Muitas dessas telas estão lá no Museu de Arte Moderna, e algumas atingem a perfeição formal, a sutileza simples, a técnica lírica da pintura japonesa. Bom Guignard! No meio de tanta coisa ruim, de tanta miséria e tanto desencontro, eis sua pintura, fresca como um sorriso de criança; sua pintura onde em casas singelas vivem seres simples e felizes; sua pintura onde, em frondes verdes, cantam sempre passarinhos.