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Para começo de conversa

Última Hora , 12 de Fevereiro de1952

Do regresso de Punta del Este... - mas chega de Punta del Este! É doce estar de volta, apesar da carne, apesar do calor, apesar de tudo. É doce vir novamente ocupar este retângulo - tão proficientemente ocupado em minha ausência pelo misterioso "Topaz" que ninguém sabe quem é - e andar por aí de mão em mão, espalhando pela cidade bem-amada, recebendo elogios, críticas, insultos no ingrato labor diário de escrever sobre o que quase não existe - cinema. Punta del Este foi bom, mas melhor ainda é estar sentado na redação, coluna de sábado, preparando a matéria para hoje, seguir de canto de olho um "racha" no terreno baldio em frente. Tarde suave esta, quase pungente, com céus brancos e distantes a que apenas uma pequena fímbria azul alegra junto à encosta do Corcovado. 

Ao "foca" Topaz - que como tal se anunciou numa nota de pé de coluna em que me chamava também de vedette - eu quero dizer que li cuidadosamente as suas crônicas de substituto, que embora nossas opiniões nem sempre coincidam, eu lhe fico muito grato pela excelente espinafração passada em Pandora, que tive ocasião de ver depois de minha chegada. Fico-lhe grato também pela retificação feita a uma outra espinafração sua, no Museu de Arte Moderna, e que por um engano saiu com o meu nome. Encontrei gente aí meio vexada comigo por dar-se que eu [era] um membro do conselho diretor da referida Instituição. Reitero a retificação. Muita gente continua a achar que fui eu e não Topaz - quem abriu fogo contra o Museu. Não. O Museu me parece uma excelente idéia... e o povo, pouco a pouco, irá [se] habituando com a arte de que agora faz caçoada. Não foi de outra maneira que o povo se habituou com os padrões modernos de arte da publicidade e da moda diretamente influenciados pela nova pintura. O povo é mais esperto do que Topaz pensa. Aí está também a arquitetura moderna para prová-lho. Meu Deus, o escândalo, e as piadas que o edifício do Ministério da Educação provocou, ao tempo em que foi terminado... Hoje todo mundo aceita, acha bonito. E é bonito mesmo. Moças de subúrbio, empregadinhas modestas, pretinhas do morro estão por aí para quem queira ver, mostrando a influência da pintura abstrata nas suas saias estampadas de roda larga de algodão da Bangu... o povo não está alienado da arte moderna. O povo precisa é de ver. 

Por hoje fico aqui. Noto com pesar que os programas de cinema continuam abaixo da crítica. Em todo o caso já posso dizer que todo o mundo deve ir ver O barco das ilusões, e não por Kathryn Grayson, com a sua cara de alfinete de fralda e Howard Keel, que canta como se tivesse um ovo quente na boca, mas pelo musical que é alegre e agradável e conta com a deliciosa música de Jerome Kern, além da beleza de Ava Gardner - que está bastante bem no filme -, os bailados de Margot e Gower Champion e sobretudo a voz de William Warfield, que canta este já muito batido "Old Man River" de maneira inexcedível. 

P.S. - Na reportagem mandada de Punta del Este e publicada nesta página na edição de sábado, há duas retificações que cumpre fazer a propósito do grande filme japonês Rasho-Mon, ao qual dediquei o melhor do espaço. Onde se lê... "seria indispensável que um distribuidor inteligente obtivesse logo o filme para um circuito no Brasil, pois estaria não só manifestando espírito público, como, me parece, perderia dinheiro" - e onde se lê "Eu felizmente perdi as outras películas japonesas mostradas em Punta del Este"... leia-se, é claríssimo, "Eu infelizmente perdi, etc...".