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Os três problemas fundamentais do cinema

A Manhã , 1 de Agosto de1941

Os três problemas fundamentais do cinema, hoje quase esquecidos ou pelo menos desvirtuados do seu fim preciso, são: o cenário, a direção e a montagem. 

Em essência, os três elementos completam-se num só - e os maiores cineastas sempre foram seus próprios cenaristas e sempre montaram seus próprios filmes. 

Em crônica anterior já disse o que era cenário em cinema. Como essas explicações não visam os entendidos, mas sim o público interessado, em sua maioria ignorante da arte, repetirei que cenário em cinema não é a mesma coisa que cenário em teatro. No palco, o cenário é a decoração do ambiente. Em cinema é a "continuidade escrita", a literatura inicial, de onde as imagens são tomadas. Também montagem, em teatro e em cinema, são coisas diversíssimas. Montar um filme é construí-lo cinematograficamente e transformá-lo numa unidade rítmica de tempo, e movimentá-lo a partir de uma determinada quantidade de cenas que, isoladamente consideradas, não possuem vida própria. Assim o músico diante de uma série de frases descontínuas ou o poeta diante do puzzle verbal do seu poema em elaboração. Assim o arquiteto transformado, após a criação do seu projeto, em inspetor da sua própria obra. A montagem em cinema oferece aspectos particulares que veremos, mais tarde, quando se nos deparar uma oportunidade visual. 

O problema do ritmo, tão vasto no seu sentido cinematográfico, oferece possibilidades e sugestões de uma riqueza incalculável ao cineasta que não quer ficar apenas preso à lógica do filme. 

Cenaristas, diretor, construtor - o cineasta é um só, distinto às vezes em três coadjutores, mas uno diante da arte. Os casos de Ernest Lubitsch e do cenarista Hans Kraly, por exemplo, ou de Frank W. Murnau e do cenarista Carl Mayer são típicos de um acordo visual absoluto. É isto essencial em cinema. Todo filme que não obedecer a essa lei básica da unidade será no máximo um sucesso de talento, ou apenas isso, mas nunca uma obra a acrescentar à arte. 

O ator é secundário, e dentro de um cinema ascético como o russo, ele praticamente não existe. "Tipos, em lugar de atores", segundo as palavras de Pudovkin, o magistral realizador de Tempestade sobre a Ásia. 

Chaplin, aliás, já enunciara o postulado, como sendo a única maneira de preservar o cinema da incursão de elementos estranhos... 

Quem for de servir, servirá. Mas nem posso exprimir a vontade que tenho de que as coisas melhorem, cresçam ou façam vida. 

O cinema sofre o mal das pequenas elites, ai de nós, encerradas na torre de marfim, da sua experiência. É preciso que cada um dê um pouco do que sente, do que crê sinceramente original em si, em benefício do grande público violado em não se preocupar. 

Em matéria de cinema, o público brasileiro - e que me perdoe ele a rudeza pouco do meu hábito - é de uma ignorância a toda prova. A necessidade vital é ir ao cinema, esquecer por duas horas as coisas da vida no curso suave de imagens que sugerem. Se o público - uma parte que seja - começar a observar, a não se julgar tão indiferente, a procurar a arte onde ela deveria existir direito, a ler, a se cultivar na freqüência ao bom cinema, a aplaudir as iniciativas isoladas, a exigir pelo que paga mais que um ambiente agradável onde passar duas horas, se o público aprender a aclamar e protestar, a se recusar a um certo gênero de exploração que é um escárnio à sua inteligência - quem sabe os produtores e distribuidores, por prudência e por decência, que diabo! - dessem uma pequena ajuda e fizessem o cinema voltar àquele bom tempo em que se podia ir de olhos fechados, sans blague, a três, quatro filmes por semana, na certeza de que se iria ver senão arte, pelo menos esforço artístico. 

Fala-se da nossa incultura. Pois deixe ela existir. Em Londres, em Paris, qualquer cinema de vanguarda, qualquer clube de cinema, onde quer que haja um velho clássico dos tempos mudos ou não importa que bom filme, ali está gente de toda ordem, apreciando, discutindo, dando de comer à arte. Por que nos considerarmos piores? E se o somos agora, mais uma razão para deixarmos de sê-lo. 

E eis o que proponho: uma reação. Já temos bons críticos e sinceros. Comecemo-la, ajudados pela confiança do público que apóia as boas iniciativas.