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Os amores de Carolina

Última Hora , 28 de Novembro de1951

O espírito do epigrama francês nem sempre consegue ser sutil. Às vezes, como neste Caroline Chérie - feito pelo diretor Richard Pottier sobre um roteiro que conta com o nome de Jean Anhouil, cenarista do excelente Monsieur Vincent - consegue ser também sórdido e chato. Pois tal foi a impressão que me deixou este filme interminavelmente vivaz onde ainda se patenteia, como muito bem fez ver meu colega de crítica Moniz Viana, uma certa atitude Vichy que cheira a podre. 

A película deixa em todo o seu decorrer o mesmo mal-estar que dá esse desagradável espécime do gênero humano que se chama o contador profissional de anedotas ou o fazedor contumaz de trocadilhos. Falta ao subentendido malícia de boa qualidade e a bela Carolina, bastante bem interpretada por Martine Carol, acaba por deixar uma impressão ruim de passividade e vigarice. Ela é a representante de uma desagradável classe de mulheres - as frívolas, indireta e sexualmente atentas, que se deixam ir ao sabor da vida, incapazes de interesse por nada que não sejam elas próprias e o homem da ocasião. 

Uma tal personagem poderia, é claro, viver como personagem função de uma sociedade da qual fosse o fruto malsão. Mas em Os amores de Carolina essa sociedade não é mostrada - e confessamos sinceramente, os adultérios e deitadas da bela dama não constituem matéria bastante para deles se fazer um filme, ou um livro, ou coisa nenhuma. Afinal de contas ninguém tem nada a ver com os amores extraconjugais de ninguém, a não ser em caso próprio, ou quando, na arte, esses amores são a refração de um ambiente social e romanescamente importante - como é o caso de Madame Bovary de Flaubert. 

Caroline Chérie pouco valor tem; como cinema, sofre da indignidade do tema; da sua falta de saúde ética como espetáculo pouco mais tem a mostrar que o decote da sedutora adúltera, de que usam e abusam os realizadores. É uma pena que o cinema francês esteja descendo tão baixo aponto de copiar o espírito de La Ronde para exercer sua triste malícia.