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O ódio é cego

Última Hora , 23 de Junho de1951

Ao criar o último filme sobre o problema da relação de negros e brancos nos Estados Unidos - o último de uma série que se tem caracterizado pela recusa sistemática a enfrentar a questão de cara -, o diretor Joseph Mankiewicz dá mais uma vez prova de sua falta de critério como artista e do seu chauvinismo como ser humano. Escudado em uma pretensa coragem e honestidade de atitude, o que ele faz na realidade é dar mais uma facada pelas costas no povo negro norte-americano, depois de colocá-lo no beco sem saída em que o situa no filme.
 
O que resulta da produção é, no final das contas, um gosto de violência que chega a embrulhar o estômago. As fobias são mostradas sem que se explique por que existem, as raízes do problema não são de todo estudadas e os porquês flutuam sem solução dentro dos enquadramentos. O conflito aparece com uma qualidade de insânia que, se existe, como na realidade existe, não é bastante para qualificá-lo. A verdade é muito outra - e agora que revi o filme, sua falsidade me repugna, ainda mais que a dos outros celulóides aparecidos ultimamente, sobre a mesma questão. Confesso que acho mais desculpável a covardia evidente de um Home of the Braves - que ainda não foi exibido aqui, de Pinky (O que a carne herda) ou de um Lost Baundaries (Fronteiras perdidas) , nos quais os interesses comerciais pendentes mascaram as soluções definitivas, pois o sul-americano é um bom mercado para Hollywood - que a coragem sádica de O ódio é cego, que esmurra o problema com box de ferro, mas pelo gosto de ver-lhe correr o sangue que para tentar discipliná-lo. O que se dá é que o filme presta um desserviço, em lugar de elucidar, de vez que o seu texto fornece epígrafes freqüentes ao racismo, sobretudo ao racismo antinegro, tão a gosto dos idiotas que sobem financeiramente na sociedade. Acho mesmo que fora melhor não exibir tais filmes no Brasil, onde o preconceito existe em certas camadas - as piores, de resto, sob o ponto de vista humano - mas que está apenas engatinhando no racismo e onde o ódio não existe senão em parcelas diminutas. 

Aliás, o preto-e-branco das imagens de Mankiewicz está longe de ser um veículo ideal para interpretar o conflito americano de pretos e brancos. Diretor esperto, antes que inteligente, Mankiewicz, como todos os espertos, está a cada instante às portas de se estrepar todo. Ele é habitual nisso, que sabe fazer as platéias se sentirem mais agudas, e como gratas de participarem da sua confiança momentânea. Mas no fundo o que Mankiewicz é, é um mau patrão. Abertas as luzes, ele se despede com mau modo, como a colocá-las em seu devido lugar, deixando-as de coração apertado e com um gosto de náusea na boca proveniente de não saberem o porquê da violência, do sangue, do impasse e do ódio entre irmãos.