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O não-senso e a falta de critério

Diretrizes , 27 de Outubro de1945

O não-senso (fica melhor em inglês: nonsense) é uma forma de espírito que só serve quando inocente. Nada mais duro que a forma nonsensical quando ela não corresponde a uma necessidade fundamental da natureza. Só quem conhece o Complete Book of Nonsense, de Lear, o admirável inglês cuja leitura é tão importante para a poesia, pode avaliar a qualidade do gênero, onde há uma liberdade poucas vezes encontrável no que é criação do homem. Naturalmente que tem que ser muito espontâneo. Eu, por exemplo, tenho experimentado freqüentemente, mas até hoje só consegui realizar de bom mesmo uma dúzia talvez de pequenos poemas de não-senso. E isso graças antes à minha adorável e jovem amiga Maria Ethel, filha de Aníbal Machado - que me auxilia com a sua perfeita graça e inata sabedoria para o gênero. Contudo, é raro sair um bom. A forma, como a cultivou Lear, compõe-se de cinco versos: os dois primeiros de nove sílabas ("Ó desgraça, ó ruína, ó Tupã!"); o terceiro e o quarto de seis sílabas: cinco também serve e até quatro, mesmo porque, em língua portuguesa, fica muito mais fácil de arranjar que o de seis sílabas; e o último novamente de nove sílabas. Um exemplo feito por Tatau (Maria Ethel) e por mim: 

Era um dia um sujeito maneta 
Que não tinha a perna direita 
Pois o homem coçava 
Com a mão que lhe faltava 
As perebas da perna perneta! 

Assim a coisa vai, dentro de uma grande e pura bobagem, que é o seu melhor sentido. As crianças são seres nonsensical, e tudo o que delas se aproxima. Em literatura brasileira, há, infelizmente, a mais triste falta de nonsense. Só meu ilustre amigo o barão de Itararé consegue sair da lógica e cair no não-senso. Individualmente também, tirante o nobre representante da Casa dos Itararé, só meu amigo o romancista Fernando Sabino é um ser com uma natureza nonsensical, que se revela não na sua literatura, mas no seu modo de ser, sobretudo no seu modo de se comunicar com o mundo exterior. 

Em cinema o não-senso tem dado grandes coisas, e entre as maiores está, é claro, a obra dos Irmãos Marx. Recentemente apareceu um cômico, Danny Kaye, que tem uma grande e boa tendência para o não-senso. Mas os imitadores têm todos fracassado. Os Três Patetas se apatetaram demais. Olsen e Johnson começaram bem, com Pandemônio, mas depois caíram na pior das contrafações. Mesma coisa com Abbott & Costello, que estão se transformando na pior das orchatas. Esse filme que estão levando no Rian e no Vitória é a melhor mostra do que digo. Uma sem-graceira de dar pena. No entanto, eles começaram bem. Eu, sinceramente, desaconselho Os amigos-da-onça: é perder tempo e dinheiro. O diretor Jean Yarbrough devia ficar bonzinho, no cantinho dele, que assim é que era direito. Podia até ganhar um Chicabon. Mas com Os amigos-da-onça ele francamente não faz jus ao sorvete... 

Isso, o não-senso. A falta de critério está integral num filme da Metro, presentemente na Tijuca e em Copacabana. Chama-se Paixão de outono e apresenta um calhordão novo chamado Philip Dorn, com a bela, passada Mary Astor. Pobre Mary Astor! 
Passem de largo. É pior que coca-cola.