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O lanceiro invencível

Última Hora , 28 de Setembro de1951

Eu aconselho a todos que vão ver este Lanceiro invencível, feito sobre a extraordinária vida do cavaleiro Du Guesclin, herói francês de têmpera, superlativo, porque é este um filme sério e digno, trabalhado com simplicidade e, no entanto, obediente a um planejamento prévio. Não se trata, faço questão de frisar, de um grande filme. Basta compará-lo a Alexander Névski, Ivan, o Terrível, A Tempestade sobre a Ásia, A paixão de Joana D'Arc, O arsenal, Mãe, General Suvorov, Nascimento de uma nação, A grande parada e vários outros para ver o que eu estou dizendo. 

Não, não é um grande filme. Mas é um filme feito com cuidado e amor sobre a vida de um grande herói - o que lhe empresta um cunho também de certo modo heróico - e nessa era de angústia deste santo cavaleiro medieval é uma alegria para a alma, um prazer real para os olhos e um contentamento simples para o espírito. 

Embora o filme se mova lentamente - e isto porque o diretor Bernard de Latour não é nenhum Eisenstein, Pudovkin, Dovchenko, Abel Gance, Carl Dreyer, D.W. Griffith ou King Vidor -, todos os quadros da produção revelam um singelo amor pelo trabalho sendo feito e uma devotada atenção para com a figura do herói cinegravado - que se revela nos cuidados com o décor, a indumentária, o enquadramento da composição, a pátina fotográfica, tudo enfim. A fotografia, de primeira, muito auxilia também o prazer visual que se tem ao ver discorrer a fabulosa saga desse pequeno nobre rural que chegou a condestável de França, e que alargou o império de Carlos V para fronteiras nunca vistas, levando seus exércitos de vitória em vitória dentro da França e da Espanha - um rude conquistador de homens, reto e inflexível em seu amor a seu rei e a sua pátria. 

Há um elemento de infância em todos nós que em geral nos torna basbaques diante de filmes assim. Só quem não leu as aventuras de Arthur e seus cavaleiros; só quem não passou a noite acordado sobre um pequeno volume chamado Amadis de Gaula; só quem nunca devorou Michel Zevaco pode [se] dar ao luxo de restar frio diante das justas singulares, do aparato palaciano, das conquistas dos grandes castelos, até suas últimas ameias, tais como aparecem nessa discreta produção francesa. 

Fernando Gravey, a meu ver um ótimo ator, versátil e efetivo, dá à personagem de Du Guesclin um cunho de autenticidade raro. Seu trabalho, que supera de muito o dos demais atores, é das melhores coisas que têm aparecido em cinema ultimamente.