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O filme de arte

Última Hora , 18 de Fevereiro de1952

A idéia de criar no novo Museu de Arte Moderna uma seção de cinema - poderia ser convenientemente entrosada com a Cinemateca Brasileira, de cuja criação Alberto Cavalcanti está cuidando e abre grandes perspectivas não somente à organização de uma filmoteca de arte (como tal compreendida a produção chamada de avant-garde, os filmes experimentais e os de divulgação de arte) como à realização, no Museu (que, espero, há de ter um dia uma boa sala de projeção), de programas do gênero, que muito iriam estimular, entre os nossos estudiosos, experimentações semelhantes. 

A experimentação é o sangue da arte - sobretudo numa arte nova como o cinema, que apenas agora começa a revelar os rudimentos de uma gramática própria. De resto, a idéia tem sido levada a efeito, e com os melhores resultados, pelos museus mais progressistas do mundo. O Museu de Arte de São Francisco, por exemplo, tem conseguido manter programas do filme de arte com os melhores resultados. A exibição dessa série de produções não-comerciais foi chamada, naquela instituição, de Art in Cinema, e o museu estendeu seu zelo pela iniciativa à publicação de um lindo volumezinho cheio das mais preciosas notas sobre essa modalidade de produção cinematográfica. Também o Museu de Arte Moderna de Nova York mantém regularmente, entre os seus programas, séries sobre o filme de arte - gênero que embora se tenha prestado à exteriorização do intelectualismo mais sofisticado e vazio, como no caso de Maya Deren, Cocteau, Hans Richter e uns poucos mais, conseguiu produzir verdadeiros clássicos cuja comunicação é até hoje estimulante para o estudante ou fã de cinema. 

Trabalhos como os realizados pelo pintor Léger com o seu Ballet mécanique; por Cavalcanti e Walther Ruttmann com os seus famosos Rien que les heures, Berlim, sinfonia de uma grande metrópole; René Clair, com os adoráveis Paris qui dort e Entr'acte; Man Ray no seu Les Mystères du Château du Dé; o grande Joris Ivens nesse belíssimo documentário que se chama Chuva; Len Lye, em Abstração, Color Box e Rainbow Dances; Jean Vigo, talvez o maior de todos, com os seus inesquecíveis L'Atalante, Zéro de conduite; Luís Buñuel no Chien andalou; Oskar Fischinger, com suas composições abstratas sobre a música e a pintura no cinema; Norman Mac Laren, os irmãos Whitney e alguns outros - são coisas que deveriam ser vistas e revistas por todos os que se interessam por cinema. Isso porque, apesar de sua gratuidade e freqüente sofisticação, representam no campo da cinematografia um formidável cabedal de experimentação que trouxe à arte vários elementos novos. Desses elementos hoje em dia se serve a maioria dos diretores vivos, sem saber, às vezes, que os devem a esses criadores solitários, muitos deles trabalhando à base do mais puro amadorismo, e que pelo seu talento e amor às novas formas conseguiram imprimir no celulóide uma contribuição que continua viva para quem quer se interessar em pesquisar os comos e porquês da arte da imagem em movimento.