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O clamor humano

Última Hora , 5 de Julho de1951

Quando, há coisa de ano e pouco, entrevistei em Hollywood o jovern ator negro James Edwards - personagem principal do filme Home of the Brave, ora em exibição sob o título O clamor humano -, ele, de início, esquivou-se a uma série de meias perguntas que lhe fiz, sem querer avançar demais o sinal sobre o problema racial em sua pátria. Não queria evidentemente se comprometer. Eu já estava começando a entregar os pontos quando me ocorreu perguntar-lhe (e fiz quase brutalmente, à queima-roupa): 

- Por que razão não lhe deixaram esmurrar de volta aquele soldado branco que há no filme e que o agride a socos? Por que foi que a reação veio do seu amigo, o outro soldado branco, e não do sr. mesmo? Francamente, se alguém me desse na cara eu ia, pelo menos, procurar dar de volta. 

Ele ficou mudo por alguns momentos, mas senti a sua emoção ante a minha pergunta. Seu lábio inferior tremeu um pouco, e o rosto se Ihe endureceu, os zigomas contraídos. 

- Eles nunca me deixariam fazer isso - respondeu surdamente, pondo uma ênfase de raiva no primeiro pronome. - O filme provavelmente não seria exibido no Sul, que é um grande mercado. Não vê que eles nunca deixariam um negro agredir um branco em Hollywood… 

Era tudo o que eu queria saber. Lembro-me de ter saído de sua pequena agência teatral, um negócio que ele administra em Western Avenue, de Los Angeles, de coração meio apertado, achando a vida ruim, os homens maus e tudo antipático à minha volta. 

O mais incrível é que haja quem diga que foram quebradas as barreiras em Hollywood, com relação ao emprego de atores negros em papéis dignos. Papéis dignos? Chama-se então dignidade negar a um homem o direito de se defender justamente de uma agressão? Chama-se dignidade fazer desse negro um caso psíquico para justificar o seu trauma ignóbil - em outras palavras, para inculcar no espectador uma idéia genérica de passividade no povo de que ele é o único representante no filme? 

Não. Mark Robson pode ser um bom diretor quanto quiser - ele aliás já foi melhor, em filmezinhos menos pretensiosos que O invencível ou este próprio, filmes como A volta do sangue de pantera e aquele ótimo em que Richard Dix faz o capitão louco de um navio, e cujo nome em português agora me falta - acho que era O navio fantasma ou qualquer coisa assim. A verdade é que pactuar com uma tal atitude de seus patrões significa aceitar também idéia tão monstruosa como a de inferioridade racial, significa em última instância falta de humanidade e burrice, burrice mesmo na raça.