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O cinema contra o fascismo

Sombra , 1 de Abril de1945

Na Escola das Artes, duas especialmente, mostraram, em nossos dias, sua extraordinária capacidade como lutadores antifascistas: a poesia e o cinema. Com relação a esta última é coisa mais fácil de entender. Filha do nosso tempo, a sétima arte pôde refletir melhor o processo histórico do qual é ela própria uma resultante. Seus erros como suas grandezas, são um pouco os erros e grandezas do século XX. Arte espontaneamente das massas para as massas, nasceu no "clímax" da decadência das elites, absorvendo um a um os micróbios intelectualistas do mundo em que surgiu, do mesmo passo que se revelava o mais apto laboratório de pesquisa para a sua localização. Isso porque, apesar da sua vocação comercial, teve o cinema a felicidade de viver sua experiência mais interessante - a silenciosa - sob a direção de alguns homens para quem esse sentido socia da arte era primordial. De Chaplin... a Chaplin; Méliès a Walt Disney; de Griffith a Sam Wood; na boa escola francesa e escandinava e sobretudo na escola russa, o cinema tem sabido manter - mesmo em meio às contingências mais duras da indústria que, no final das contas, é - essa linha das massas na qual reside sua grande força. Os maiores filmes aparecidos até hoje são fundamentalmente populares, no melhor sentido da palavra: Em busca do ouro, Luzes da cidade, e o Grande ditador, de Chaplin; O nascimento de uma nação, Intolerância e O lírio partido de Griffith; Napoleão, de Abel Gance; Variétés de Dupont; Greed e Marcha nupcial de Stroheim; A turba, Aleluia e The Big Parade de King Vidor; Ídolo, amante e herói, Em cada coração um pecado e Por quem os sinos dobram, de Sam Wood; o Couraçado Potemkin e A linha geral, de Eisenstein (sendo que o Potemkin é, a meu ver, a maior epopéia de massas já revelada pelo cinema); Tempestade sobre a Ásia e Mãe de Pudovkin, etc. etc. 

Seria assim o cinema o instrumento artístico capaz de combater melhor esse tremendo desvio de sensibilidade do mundo moderno que veio a dar no fascismo político em todas as formas neofascistas de ser, individual e coletivamente. Como arte de propaganda, malgrado o sem número de traições praticadas contra a integridade metafísica da imagem em movimento, revelou-se o meio mais persuasório de contra-reação democrática. Sua luta, separado agora o joio do trigo (e houve muito mais joio do que trigo...), foi decisiva para uma mais rápida consecução dos primeiros ideais coletivos de liberdade. Aqui no Brasil, por exemplo, poucas coisas terão influído melhor no ânimo do povo que os nossos jornais. Todo mundo tomou, positivamente, chá da figura do Ditador e seus bonifrates. Não havia mais quem não bocejasse ante a imagem do encarregado da propaganda do Dip e ficou quase um hábito as pessoas atrasarem de dez minutos a sua entrada no cinema para não ver os inalteráveis, teimosos tiranetes do nosso cenário político. 

É fato que o filme americano de guerra acabou por marretar completamente o espectador. Mas a soma de verdades nele contidas, apesar dos meios por vezes odiosos de trazê-las ao povo, teve, indubitavelmente, seu efeito. A figura bestial do soldadão nazista, o tipo neurótico do chefe de ocupação, as atrocidades, a desumanização total das personagens, falsas sem dúvida, a ponto de ter havido, posteriormente, uma reação no cinema inglês e no próprio cinema americano, tudo isso fez aumentar no povo o seu ódio natural ao nazi-fascismo. Nesse período de guerra crua foi sem dúvida, considerados os prós e os contras, de grandes benefício o papel do cinema na luta contra o totalitarismo. Isso não quer dizer de ora avante não seja preciso acautelar o povo contra a exploração sistemática dos seus sentimentos democráticos. 

A guerra chega ao fim e a reconstrução livre do mundo exige atenção e autocrítica. A propaganda deverá se aliviar da sua carga de imposturas e começar a educar o povo no sentido do seu enriquecimento cultural. E isso em cinema faz-se com arte, não há outro jeito. Aí está o exemplo do cinema russo que, mesmo dentro do seu sentido de propaganda, cujo direito ninguém pode negar, nunca transigiu quando se tratou de mostrar a vida e a realidade do povo. Fê-lo sempre com dignidade maior da arte. Por isso é possível dizer que o cinema é a grande arte do mundo moderno, que tem na Rússia a sua maior vanguarda para o futuro.