voltarMovie

Notícias de Chaplin

Última Hora , 4 de Novembro de1952

A notícia de que um grupo de capitalistas brasileiros estaria tentando trazer Charlie Chaplin para o Brasil, caso a estátua da Liberdade lhe desse sinal vermelho à entrada do porto de Nova York, porquanto fantástica, criou em mim uma certa melancolia. Estava eu sem fazer nada, a tarde era abafante, tinha passado por mim um bando de mulheres feitas, eu me sentia meio gordo, enfim: Chaplin se incorporou a uma paisagem triste e sem perspectivas. 

Chaplin no Brasil... Imaginei a chegada do maior artista do século, na avenida Rio Branco apinhada de ponta a ponta, as carioquinhas a se precipitarem sobre o carro dele, a beijá-lo, a se disputarem os trapos de sua gravata e seu paletó, depois a inevitável intervenção da Polícia Especial, gritos, correrias, cabeças quebradas, quem sabe mesmo uma ou duas mortes em meio ao pânico criado. 

Depois... Chaplin no Catete, Chaplin no Quitandinha, Chaplin na Vogue, recepção a Chaplin em casa do sr. e sra ...? Quem? A quem caberia o privilégio da primeira recepção grã-fina? Que grande dama da sociedade brilharia primeiro nos braços do Homenzinho de Chapéu-coco do baião? 

Depois... "lh, você sabe, minha filha, ele pode ser um gênio, mas te disseram o que ele falou outro dia em casa daquela nossa amiga que não prima pela elegância? Nem te conto!" - "Ih, foi? Mas que cafajeste!" - "Pois é. Eu estou absolutamente disposta a esnobar ele. Eu acho que a gente deveria simplesmente começar a ignorar ele." - "E a mulher dele, você viu? É possível, mais sem graça?" 

Depois... Chaplin na mão dos intelectuais. Recepção a Chaplin na ABI. Chaplin no Maxim's. 

- Você viu como ele só prestava atenção naquela bicha horrível? 

- Uai. Pois você não sabia que ele era? 

Depois... Chaplin almoçando no Bar Recreio, feijoada completa. 

- Não, escuta aqui, velhinho; o homem passou completamente acabado. E além do mais, puxa, ele não deixa ninguém falar. Espera um pouco. 

Chaplin no Grande Ponto. 

- Eh, José, como é? Põe uma dose direita aí pro homem, seu! 

- Alô, Charlie old boy! 

- Não vou já não, vou pegar uma carona do velho para Copacabana. 

Chaplin no Bonfim. 

- Dois ovos com presunto aí pro velho que está caindo pelas tabelas. Como é, velho, acorda, como é chato! 

………………………………….. 

- Escuta, querida; você não pode arrumar alguma coisa para o velho Chaplin? Um programinha de rádio, qualquer coisa. É favor de amigo, porque eu não agüento mais o velho; palavra. É facada todo o dia! 

……………………………………. 

- Não vamos passar pelo Vermelhinho não, porque a essa hora o velho Chaplin deve estar por lá enterrado na batida. Aquele café dá uma sorte pra chato, puxa! Você se lembra do Bernanos? Não desgrudava... 

Até que um dia, numa esquina carioca, um patético vagabundo surge entre a gente que passa apressada. É um vagabundo velho. Os olhos no fundo, os pulmões roídos de tuberculose. Há qualquer coisa nele que lembra um outro, o do final de um fabuloso filme que se chamava Luzes da cidade. Mas não deve ser o mesmo, pois não há nenhum jornaleiro para lhe atirar chumbinho, nenhuma florista bem-amada para lhe dar a esmola de uma rosa. 

…………………………………….. 

Peste de história triste, gente. Até parece que eu não acredito no Brasil!