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Minha cara metade

Última Hora , 25 de Agosto de1951

Dirigido por Lloyd Bacan, este novo tecnicolor de La Grable - como a chamam os publicistas de Hollywood - conta a história do estróina cinematográfico mais estereotipado de Hollywood, aliás um ator a que não falta graça e talento, Dan Dailey, casado no filme com uma entertainer do exército durante a guerra. O casal acha-se separado em virtude de uma grande tendência para a miscigenação por parte do marido, e se reencontra casualmente numa das ilhas do Pacífico. Dan Dailey vê umas pernas e as reconhece imediatamente como de sua "cara-metade". O que diz muito por ele. 

A minha impressão pessoal é que qualquer marido pode e deve reconhecer as pernas de sua esposa, seja numa ilha do Pacífico, na boîte Vogue ou na sala de espera do Ministério da Fazenda. O que ele não pode é pôr-se, ato contínuo, a dançar com ela como se nada tivesse acontecido, entregando-se paralelamente a atividades militares, tudo isso com o maior desplante do mundo. Betty Grable, que é uma mulherzinha com um fraco danado por maridos estróinas, briga e faz as pazes trezentas vezes, dá e recebe grandes beijos na linda cavidade bucal, e, na linha da melhor arquitetura moderna, anda com os "pilotis" à mostra para gáudio geral dos circunstantes. 

Pena que tudo isso somado resulte num filme irremediavelmente alvar. Não há um metro linear de celulóide que não seja bocó, toleirão, bobo-alegre. A beleza de Betty Grable, que sofre de excesso de saúde, não deixa nada à imaginação, o que é mau. A moça é muito "anúncio" demais, desses que se vêem em todas as revistas americanas, e que dão à gente vontade de amar uma consumptivazinha ou outra, mulher assim com um tiquinho de olheira, uma enxaqueca de vez em quando, e bastante vagotonia. 

Dan Dailey, um ator muito aproveitável, troca pernas ao longo da produção, com a sua irresponsabilidade tão pessoal. Bom dançarino, com uma longa prática de trabalho em vaudeville, Dan Dailey é, sem dúvida, a melhor coisa que há nesta salada musical da 20th Century. Temperamental, nervoso e sensível, o jovem ator americano andou recentemente tendo uns macaquinhos no sótão, e houve que interna-lo numa clínica de Arizona. Grande fã de bom jazz, como este cronista, eu me lembro de tê-lo visto freqüentemente nas boites negras de Los Angeles, sempre que por lá andavam Louis Armstrong e outros próceres. E como traçava o nosso-amizade! Eu, ao contrário das más línguas que andaram atribuindo a Betty Grabie uma certa culpa inconsciente no estado de nervos de Dailey - prefiro pensar que tenha sido o álcool. Que diabo, há uma dignidade, uma linha de conduta num sujeito que adquire uma neurose alcoólica. Mas, francamente, eu nunca vi ninguém ficar doido por causa de suco de tomate.