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Maya, o impossível desejável

Última Hora , 10 de Novembro de1951

A Art-Films poderia muito bem tomar uma medida que julgo do seu próprio interesse, como se dirigir a quem de direito no sentido de serem abreviados os letreiros iniciais de seus filmes. O negócio é muito espichado demais, e a burocracia da produção aparece toda na tela, durante vários minutos, fazendo o público acabar protestando com assobios. Não custava nada usar ou o letreiro corrido, ou espremer um pouquinho todos aqueles nomes num número menor de planos. A coisa traz à memória a excelente sátira de Danny Kaye em seu primeiro filme Sonhando de olhos abertos em que ele, à porta de um cinema, canta em ritmo vertiginoso, e com admirável mímica, essa infinidade de nomes de pronúncia arrevesada que aparecem antes do filme começar, enchendo o espectador. 

Em Maya, a desejável o processo é realmente um pouco demorado demais. Deixo aqui o conselho, dito o que procedamos à crônica. Maya, a desejável, direção de Raymond Bernard, só não é um bom filme porque Bernard não é um bom diretor. Porque a idéia através do filme é bela, e a sua simbologia não deixa de ter um envolvente mistério que o diretor não soube aproveitar. Embora esse assunto de rua de prostitutas seja o tipo do tema velhaco - já tem sido ordenhado à exaustão por vários verdadeiros e um mundo de pseudos -, a peça de onde nasceu o filme, no caso de Maya, a desejável, mostra alguns ângulos novos, para usar de um americanismo. Pena é ter sido tudo tão mal costurado, dando o filme, ao final, a impressão de uma colcha de retalhos. Pena, deveras. Porque apesar disto um sentimento recôndito de beleza flutua do filme uma vez visto, e este velho chavão - a prostituta - recebe aqui um tratamento que se não é novo, é pelo menos bem restaurado. 

Maya, a mulher a quem lnkijimoff - o soberbo intérprete do soberbo Tempestade sobre a Ásia de Pudovkin - chama no filme "O impossível desejável" ser de ilusão, que cada um cria à sua imagem e a quem empresta a forma dos próprios sonhos e anseios, é interpretada da maneira de costume, por essa bela Viviane Romance, que apesar de pletórica continua extremamente desejável. Dalio aparece no papel de um camareiro de bordo que mata um colega por causa de uma passageira com quem nada chegou a ter, mas a cena que interpreta é de tal modo enxertada que pouco valor cinematográfico tem dentro do filme. A fotografia pobre e o corte imperfeito, resta essa pouca poesia...