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Maria da praia

Última Hora , 11 de Outubro de1951

Ainda hoje, o jornalista Homero Homem me fazia uma observação que não carece de bom senso. Ao lhe contar eu as dificuldades gerais com que está lutando o projeto de criação do Instituto Nacional de Cinema e os últimos boatos nos arraiais cinematográficos, segundo os quais a capital hollywoodense está controlando um estúdio brasileiro "por baixo da mesa" - tudo isso obviamente provocado pelas notícias de um possível interesse do governo em proteger a indústria cinematográfica nacional -, ponderou-me ele que, diante da crise mundial do cinema, originada internacionalmente pela dilatação progressiva da área do dólar, e nos Estados Unidos pelo crescimento espetacular da televisão, podia se dar o caso de o Brasil passar em branca nuvem por esse fenômeno do século XX que se chama cinema, e ter de pular para a televisão sem nunca haver conhecido o primeiro, como indústria e como arte.

Se tal coisa se desse - e cumpre ponderar que não se trata de um impossível -, era o caso de convocar todos os produtores nacionais e todos os trabalhadores da indústria, e fazer um haraquiri coletivo, e público, diante de um aparelho qualquer de televisão, ou para dar um cunho mais nacional ao suicídio, diante de um cinema do sr. Luís Severiano Ribeiro, representante insigne do truste de exibição, do qual se vale gordamente a produção de Hollywood. 

Se isso acontecer - se o Brasil passar em branco pelo cinema, tendo apenas a seu crédito umas quatro ou cinco fitas dignas do nome, e isso por indiferença das autoridades competentes; se a mamata continuar e o projeto Cavalcanti for relegado ao olvido; se o Congresso, ao ser ele apresentado, não compreender a sua urgência e importância, a sua angustiante importância!; se se se se se se se... -, então eu cobrirei minha cabeça de cinzas, ou me casarei com um aparelho de televisão, ou desafiarei Helio Gracie para uma luta de jiu-jítsu, ou me atirarei do Ministério da Educação e Saúde crente que sou passarinho, ou passearei de cuecas pela Cinelândia tocando um bandolim de brinquedo, ou sei lá mais o quê. 

O que não é mais possível é o desperdício de um material técnico e humano de boa qualidade, como acontece nesse filme Maria da Praia, exclusivamente devido à desorientação em que se acham os nossos homens de cinema. Aí está um filme que tem à frente um homem que foi um excelente crítico, um homem que entende de cinema como é o caso de Paulo Wanderley; que tem à câmera um bom fotógrafo, como é Rui Santos - apesar do seu instintivismo e da sua mania de medir a distância ótica a olho, desprezando fatores técnicos importantes: uma coisa que um Gregg Toland nunca deixava de fazer; que tem um ilustrador musical da qualidade de Claudio Santoro; que tem à sua disposição um bom tipo cinematográfico - uma mulher bonita e aproveitável como Dinah Mezzomo; e uns rapazes fortes e saudáveis, todos capazes de, circunstancialmente, e sob bastante instrução e ensaio, agir convenientemente. 

E, no entanto, um filme fraco, parado, obediente a uma técnica já superada - a do cinema silencioso -, de ação lenta, usando recursos falsos e retrógrados e repousando sobre uma história exangue. Um filme com belas fotografias, com belos tipos, com homens de boa vontade à testa da produção - mas desorientados, fazendo tudo sem planejamento, receando com problemas cuja solução depende exclusivamente de paciência e apetite... 

É como dizia desalentadamente dom Manuel, ao ver chegar de suas ameias do castelo de Pena uma flotilha que pensava fosse a de Vasco da Gama e vai era uma flotilha de pesca que regressava ao Tejo... "Qu'pena!" (donde o nome do castelo...).