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Nada de novo no front (II)

Última Hora , 19 of June of 1951

Nem todo o mundo sabe que Lewis Milestone, o diretor de Nada de novo no front, é russo de nascimento. Poucos cineastas, no entanto, melhor captaram o verdadeiro sentido do cinema americano, esse mesmo que o instinto de Edwin Porter e o gênio de D.W. Griffith revelaram ao mundo. Milestone é realmente um autêntico criador de cinema embora nunca tivesse chegado às alturas de Griffith, ou mesmo de seu continuador mais autorizado, o King Vidor de A turba ou No turbilhão da metrópole. Sempre foi um diretor menor - mas que competência revela no planejamento de suas produções e que acuidade no processo de filmagem e coordenação! Seu corte é exemplar, o que sempre cria uma relação orgânica entre o ritmo e a continuidade das imagens, e suas tomadas vistas em si mostram bem a sua atenção para o detalhe, todavia longe de qualquer espírito de detalhismo. 

Sobretudo o que é importante em Milestone é que ele é um diretor com um alto senso de dinâmica. Sua virilidade é evidente - e não é apenas em Nada de novo no front que Lewis Milestone a revela. Outros filmes seus, especialmente Rain, sobre a famosa novela de Somerset Maugham, e The Front Page, sobre a movimentada história de Ben Hecht, mostram à sociedade o grau do seu temperamento artístico, bem na tradição da boa linha do cinema americano que vem de Griffith e Ince através de King Vidor para desaguar no bom Sam Wood (que se revelou depois da parceria com William Cameron Menzies), no bom John Ford (não é o do Fugitivo) e neste novo fenômeno de Hollywood que é John Huston. Esta linha do cinema americano é, me parece, a única digna de qualquer consideração e a que o eleva à categoria de cinema internacional, apesar dos muitos desníveis que tem apresentado ao longo de sua curta existência. 

Nada de novo no front é um filme que todos devem ver. Graças ao excelente cenário de Maxwell Anderson e George Abbott, e à firme direção de Milestone, o filme consegue captar o verdadeiro substrato da obra de Remarque - a única coisa, de resto, realmente digna de consideração que este escreveu. 

Quero lembrar aqui umas poucas razões que fazem de Nada de novo no front uma verdadeira obra de cinematografia. Em primeiro lugar, um senso de tempo no sentido musical da palavra, muito raro num filme americano. A tensão é mantida, em todas as seqüências em que a guerra intervém em sua brutalidade, graças a essa percepção aguda do diretor, que mostra as cenas sem desnudá-las de seu sentido mais íntimo - esse que é a própria essência do cinema - o sentimento da coisa a revelar em termos visuais que apenas a sugerem, nunca a explicam.
Depois, a sua geralmente esplêndida colocação da câmara, a mostrar o artista de plena posse do seu estilo. Finalmente, e como já disse atrás, um perfeito conhecimento da técnica da coordenação das imagens, que faz o filme correr sem grandes tropeços. 

Apesar do filme sofrer dessa peste do cinema americano que é o sistema do estrelato, Milestone soube conter seus atores com grande proficiência. Os trabalhos de Lew Ayres e Louis Solheim são provas exercidas pelo diretor sobre ambos, especialmente o primeiro. 

Conforme disse ontem, não é uma obra mestra do cinema. Mas pela sua grande destreza, trata-se, sem dúvida, de um filme ímpar na cinematografia americana, quiçá mundial! E pelo seu honesto realismo, altamente recomendável, sobretudo num momento em que uma nova guerra pesa no coração de toda a humanidade!