backMovie

Leslie Fenton, o ator mais independente do velho cinema

A Manhã , 24 of April of 1942

Em crônica recente, onde lembrava velhas coisas de cinema, faltou-me um nome importantíssimo do ponto de vista da arte independente, um nome que é uma bandeira para nós, maníacos do silencioso. Foi o de Leslie Fenton. Não sei se o leitor se recorda. Leslie Fenton era um rapagão alto, com grandes entradas (as suas primeiras fitas faladas tiraram-lhe os últimos cabelos: ficou um careca desagradável, muito moço e com uma enorme coroa no alto da cabeça) e tinha um tipo único no cinema: um mongolóide legítimo ao qual não faltava uma grande finura e inteligência de traços e expressões. 

Leslie Fenton só aceitava papéis que se adaptassem perfeitamente ao seu tipo humano dramático - e nesse ponto sua concepção de ator se assemelha muito à de Orson Welles, pelo que me disse este... Só fazia "segundos", mas que grandes interpretações, sempre! Podia-se ir de olhos fechados a qualquer filme onde Leslie Fenton tivesse uma ponta, porque já se sabia que roubava todo o mérito do cast só para ele, isolando-se singularmente no meio dos melhores cartazes de Hollywood. Seu trabalho tinha uma discrição e uma rapidez de verso de Carlos Drummond de Andrade. Leslie Fenton deslizava entre figurões com movimentos esquemáticos de chim. A máscara seca, angulosa, de uma magreza máscula ajudava-o a se distinguir em qualquer plano da ação. Muitas vezes a gente estava vendo Edward Robinson trabalhar com Loretta Young, na frente da cena, mas o olho ficava mesmo mas era vigiando Leslie Fenton mais para trás, quase sempre imóvel, o rosto tenso, agudo, a testa viva, agitada pela emoção da hora.
 
Nunca o vi falhar. Nem nunca o vi aceitar um papel que não fosse feito para o seu tipo. Onde quer que entrasse um covarde, um covarde irremediável, ou um traidor, um traidor trágico, levado à traição pelos meios mais miseráveis, ou um irmão sórdido, cuja baixeza trouxesse consigo a desonra e o suicídio a um lar; onde quer entrasse um vendido, um sedutor bem crapuloso, um espião sem escrúpulos; onde quer houvesse uma parte assim dramática e difícil a representar, Leslie Fenton impunha a sua escolha. Só agia nessas condições. E nunca desmereceu um filme, tendo sempre elevado todas as produções medíocres em que entrou com o simples prestígio do seu nome desconcertante. 

Imagino a raiva e a inveja em que Hollywood não o devia ter! Leslie Fenton nunca deu a menor importância ao estrelato, fazendo-se sempre pagar como estrela de primeira grandeza. Podia desaparecer durante meses, para de repente levar todo um grupo de fiéis a ver uma ponta sua num filme qualquer, uma ponta às vezes mínima, onde ele aparecia sempre para fazer a maior sujeira imaginável, e morrer tragicamente nas mãos de um chefe de gângsteres ou de um marido ludibriado ou de um pai louco de cólera. Mortes sempre horríveis, de grande intensidade, mortes de bicho acuado, de rato, sórdidas, feitas para tirar o sono do espectador por algumas noites. 

Esse regime vil e angustiante, Leslie Fenton sempre o quis manter. A decadência do cinema marcou também o seu desaparecimento. Suponho que Leslie Fenton tenha se recusado a fazer algum desperado, ou algum galã, quem sabe? O que é certo é que manteve-se íntegro, absolutamente fiel à sua natureza de ator. Pertence virtualmente ao passado da arte. Lembrando-o nesta crônica, faço um pouco trabalho de historiador de cinema.