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Jezebel

- , 1 of January of 1940

Há, esta semana, uma reprise que vale a pena para quem ainda não viu. Refiro-me ao filme Jezebel, que William Wyler dirigiu com a proficiência costumeira, e que apresenta duas boas interpretações: a de Bette Davis, que valeu um Oscar e a do sempre excelente Henry Fonda. 

Não é à toa que William Wyler tem a fama de ser um dos diretores mais meticulosos de Hollywood. Seu estilo diretorial foi se desenvolvendo dentro de um sentido a que está alheia a maioria da produção daquela colônia - um sentido de planejamento e de equipe, que se afirmou desde o período de A carta e Pérfida, ambos com Bette Davis, e que se deveria revelar plenamente em Os melhores anos de nossa vida, embora sob um ponto de vista puramente cinematográfico, este seja um filme menor que os outros dois já citados. 

Wyler é um mestre de narrativa. Ninguém como ele para pegar uma história e transcrevê-la em termos cinematográficos de continuidade. Para mim, no entanto, isto que é a sua principal qualidade, é também seu principal defeito como criador. Atendo-se por demais à influência "literária" do que conta perde ele em impacto dinâmico. 

O cinema é uma arte que deve mover-se, e o sentido wyleriano de continuidade impede a valorização do Montage, a ação poética do corte tange a ação poética do corte e a construção descontínua, que tanto contribuem para uma transmissão mais orgânica do cinema. Nesse sentido, Wyler aproxima-se, em termos, de Murnau, grande diretor alemão que em seus filmes - Aurora sobretudo - tentou dar-nos a sua teoria do cenário contínuo ou da continuidade absoluta, segundo a qual o melhor filme é aquele que conta cinematograficamente a história com um coeficiente mínimo de cortes. 

Ao contrário de John Huston, que nesse terreno coloca-se dentro da melhor tradição do cinema americano - a que vem de Griffith e Ince através de King Vidor, um certo Sam Wood e um certo John Ford -, Wyler persegue a tradição murnausiana. Isso lhe tem prejudicado o cinema, a meu ver. Mas não o faz um diretor menor. Wyler sabe dirigir, e a prova aí está nesse Jezebel que, descontando o desgaste do tempo continua um filme de boa classe. 

Jezebel (II) 

O momento mais alto do velho filme de William Wyler, ora em exibição, Jezebel, é a seqüência do baile. O trabalho de direção é impecável, e Wyler conseguiu grandes interpretações de Bette Davis e Henry Fonda que fisicamente palpável e o movimento todo deixam um mal-estar insopitável no espectador. Bette Davis poucas vezes esteve melhor, e até George Brente, um ator medíocre e com uma fachada pouco convincente, consegue, nas mãos do diretor de A carta, parecer muito melhor do que na realidade é. 

Já se tem levantado contra a cena a objeção de que ela não é verdadeira para com a vida. Não sei. Parece-me que, de fato, na vida as coisas seriam um pouco diferentes e o peso dos preconceitos então vigentes atuaria de maneira menos sádica. Mas a arte é apenas um espelho da vida, não a própria vida. A mim a cena me parece construída com grande arte, donde o seu poder de convicção. O passeio de Henry Fonda com Bette Davis pelo braço - esse agônico passeio pela sala de baile com uma mulher supostamente virgem e que enfrenta a sociedade dentro de um vestido cuja cor não era sinal de virgindade - faz o espectador suar nas mãos. Todos os preconceitos masculinos e femininos cultivados ao longo de muitos séculos de burguesia como que encontram nessa cena o seu retrato. E grande coisa é que ela se executa, em sua maior parte, dentro de um grande silêncio, esse silêncio cinematográfico pelo qual me bato, e a que os sons e as trocas casuais de palavras não perturbam - pelo contrário! - acrescentam em poder. 

A máscara de Henry Fonda, na seqüência a que me refiro, será um dia considerada um clássico de expressão interpretativa. Ele carrega sua noiva pelo braço como se carregasse uma morta - qualquer coisa assim como o episódio de dona Inês de Castro - e pára ligeiramente diante de todos os homens, os olhares carregados de desespero e desafio, como quem diz: "E então?... ou ela é acatada, ou é morte de um de nós dois..." E ninguém ousa desrespeitar a sua sagrada cólera de homem, o seu desespero disposto a tudo.