backMovie

Ivan, o terrível

Última Hora , 4 of September of 1951

Quem ainda não viu Ivan, o Terrível quando de sua primeira rodagem nesta cidade não deve perdê-lo agora. O grande filme de Serguei Eisenstein estará na tela do São José por uma semana, e todos os estudiosos e curiosos do cinema têm obrigação de lá estar pelo menos duas ou três vezes. Eu já vi a película oito vezes e pretendo revê-Ia tanto quanto possível durante esta reprise. Isso porque Ivan é um filme que ganha momentum cada vez que se o assiste. De início duro e lento, aos poucos abre novas perspectivas íntimas, podendo chegar, como chegou para mim, a um verdadeiro absurdo de comunicação - pejado, em cada imagem, de sentido social e humano, e estalando de qualidade artística. 

Eu, sem modéstia, tenho sobre esse filme um conhecimento que duvido alguém, com exceção do próprio Eisenstein, tivesse. É para mim não só uma obra maior de cinematografia, como um poderoso estudo em profundidade de um homem e sua época. Como acentuou Eisenstein, não quis ele fazer "de um Ivan, o Terrível, um Ivan, o Bom". O que o interessou foi a movimentação histórica, o drama social que fez desse homem o eixo da unificação russa em torno de Moscou. E isso Eisenstein o conseguiu alargando extraordinariamente os planos do estilo histórico, dando-lhe um planejamento novo em cinema, levantando muros imensos para murais fabulosos, "deformando", segundo o conceito moderno, teatralizando os efeitos puramente mímicos, de modo a dilatar essas fases e essas ações até o tamanho do espaço histórico onde hoje se situam. 

O filme, eu sei, tem grandes inimigos. O poeta e crítico de cinema James Agee - sem dúvida o maior crítico americano de cinema, desde a morte de Harry Potemkin - escreveu sobre ele, em The Nation, já lá vão uns três anos, uma das críticas mais injustas que me foi dado ler. As injustiças emitidas por Agee - um homem profundamente inteligente, simpático - foram repetidas por muitos outros homens inteligentes, simpáticos e estimáveis, mas que não se querem dar ao trabalho de rever o filme e estudá-lo em sua importante simbologia, por se fiarem no julgamento "de instintos" que as suas peculiaridades neles provocaram. Mas isso não é fazer crítica nem aqui nem na casa do diabo. Ivan é um filme que ninguém poderá conhecer "de instinto", vendo-o uma só vez, ou mesmo duas. É preciso mergulhar neste mar estático de cinema e ir colher o protoplasma vivo na verdadeira profundidade onde prolifera. Ivan é todo um curso de cinematografia, é o ápice de uma vida dedicada ao estudo e à realização de cinema, uma obra de cultura social e artística feita por um homem que, em sua busca do mistério cinematográfico, não se ateve à simples pesquisa dos elementos gerais do cinema - estudou-o do ponto de vista da poesia, do teatro, das artes plásticas, da música; chegando à análise da grafia japonesa e chinesa como fenômeno de síntese, olhando com lente de aumento a mímica simbólica do teatro japonês; tentando artisticamente a correspondência anunciada pelo verso famoso de Baudelaire: "as cores, os perfumes e os sons se respondem". 

Eu voltarei, passados alguns dias e dada ao público a oportunidade de ver e rever Ivan, a estudar o filme do ponto de vista da produção e dos setores da produção. Provisoriamente deixo aqui o meu entusiasmo irrestrito por essa obra magna de cinema, de quem Chaplin, o seu maior gênio, disse: "Essa é a maior das obras históricas já filmadas... Deixa para trás tudo o que já vimos em cinema."