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Fim do incidente Gélin

Última Hora , 15 of February of 1952

A Embaixada da França ofereceu, segunda-feira, uma recepção em homenagem aos artistas franceses membros da delegação que compareceu ao Festival de Cinema de Punta del Este. Estiveram presentes representantes do cinema, da imprensa e do rádio locais, bem como escritores, "perus" e moças bonitas. Dentro das pessoas mais destacadas a agir na qualidade de donos de casa, via-se o escritor Michel Simon (a quem se pode chamar, além de francês de ótimo quilate, brasileiro honorário, pelo muito que quer ao Brasil) aproximando artistas, promovendo conversas, agindo enfim inteiramente à altura do acontecimento. Das figuras mais conspícuas na sala, no auge da "pinta", via-se também essa grande Arletty, a circular amavelmente entre os presentes e sempre convenientemente fiscalizada pelo olho terno do seu maior fã brasileiro - o ator José Lewgoy. O cronista Rubem Braga, que já a conhecia de Paris, também foi visto em animado papo com a inesquecível intérprete de Les Enfants du paradis. A coisa toda esteve do maior agrado, com bom champagne e bom whisky a flutuar o tempo todo no meio daquela gente de mais saudável sede. 

O simpático cocktail cumpriu, entre outras, uma função da maior oportunidade - terminou de vez com o chamado "incidente Gélin" que se iniciou em Punta del Este com um pileque mal tomado pelo talentoso ator francês - o que forçou o cronista M. Bernardes M. a tomar providências físicas necessárias. Mas, como sói acontecer nesses casos, esse affaire sem maior importância cresceu em demasia, com um certo excesso de fermento posto no bolo pela imprensa em geral, e a coisa chegou a ficar meio mal parada para Gélin, que é atualmente hóspede oficial do governo brasileiro juntamente com o resto da delegação francesa. 

Tive a oportunidade de conversar com Gélin durante o referido cocktail, e dou minha palavra como o jovem ator francês está sinceramente penalizado com o que aconteceu. Doeu-lhe sobretudo a pecha de racista que lhe foi imputada, pois, me disse ele, tem muitos amigos negros, é otimamente recebido por toda a gente de cor das boîtes parisienses e odeia tudo o que é fascismo racista. Disse-me também que, a falar a verdade, não se lembra bem do que aconteceu, pois estava muito "alto", e que lamenta qualquer coisa dita na hora da raiva. Acabou por sublinhar que não gostaria que os brasileiros tivessem dele uma impressão que não corresponde com os seus verdadeiros sentimentos com relação ao Brasil - país que aprendeu a amar durante esses dias de sua permanência entre nós.

Por outro lado, no programa de rádio "Conversa em Família", na Rádio Globo, de que participei com M. Bernardes M. e José Lewgoy, e que foi ao ar poucas horas depois do cocktail da Embaixada da França, o simpático e popular cronista de Última Hora teve ocasião de, ao microfone, falar sobre o incidente e considerá-lo por sua parte encerrado. Muito bem dito, meu caro Maneco! 

Que fique pois definitivamente encerrado esse incidente sem maiores conseqüências, e que o chauvinismo de certos elementos estava em vias de tornar desagradável para os membros da delegação francesa que ora hospedamos. Essa delegação, diga-se de passagem, foi a única a convidar a delegação brasileira para jantar privado, que se realizou num ambiente da maior cordialidade - e depois do incidente "Gélin". 

Como se vê foi tudo puro pileque, não tenha [alguém] uma vez na vida se portado tão mal que atire em Gélin a primeira pedra.