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Brasília, sinfonia da alvorada

Colúmbia, 1961

Música: Antonio Carlos Jobim
Poesia: Vinicius de Moraes
LP 12" capa dupla, gravado em novembro de 1960, no estúdio da Colúmbia, Rio de Janeiro
Orquestra sinfônica sob a regência de Antonio Carlos Jobim Recitativo por Vinicius de Moraes (alguns trechos com participação de Tom Jobim)
Côro Dante Martinez sob a direção de Roberto de Regina Participação de Os Cariocas e Elizete Cardoso
Piano: Radamés Gnattali
Capa: Oscar Niemeyer
Fotografia: Franceschi
Engenheiro de som: Sergio Lara Campos
  • O Planalto Deserto

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

    No princípio era o ermo 
    Eram antigas solidões sem mágoa. 
    O altiplano, o infinito descampado 
    No princípio era o agreste: 
    O céu azul, a terra vermelho-pungente 
    E o verde triste do cerrado. 
    Eram antigas solidões banhadas 
    De mansos rios inocentes 
    Por entre as matas recortadas. 
    Não havia ninguém. A solidão 
    Mais parecia um povo inexistente 
    Dizendo coisas sobre nada. 
    Sim, os campos sem alma 
    Pareciam falar, e a voz que vinha 
    Das grandes extensões, dos fundões crepusculares 
    Nem parecia mais ouvir os passos 
    Dos velhos bandeirantes, os rudes pioneiros 
    Que, em busca de ouro e diamantes, 
    Ecoando as quebradas com o tiro de suas armas, 
    A tristeza de seus gritos e o tropel 
    De sua violência contra o índio, estendiam 
    As fronteiras da pátria muito além do limite dos tratados. 
    - Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato, 
    Vós fostes os heróis das primeiras marchas para o oeste, 
    Da conquista do agreste 
    E da grande planície ensimesmada! 
    Mas passastes. E da confluência 
    Das três grandes bacias 
    Dos três gigantes milenares: 
    Amazonas, São Francisco, Rio da Prata ; 
    Do novo teto do mundo, do planalto iluminado 
    Partiram também as velhas tribos malferidas 
    E as feras aterradas. 
    E só ficaram as solidões sem mágoa 
    O sem-termo, o infinito descampado 
    Onde,    nos campos gerais do fim do dia 
    Se ouvia o grito da perdiz 
    A que respondia nos estirões de mata à beira dos rios 
    O pio melancólico do jaó. 
    E vinha a noite. Nas campinas celestes 
    Rebrilhavam mais próximas as estrelas 
    E o Cruzeiro do Sul resplandecente 
    Parecia destinado 
    A ser plantado em terra brasileira: 
    A Grande Cruz alçada 
    Sobre    a noturna mata do cerrado 
    Para abençoar o novo bandeirante 
    O desbravador ousado 
    O ser de conquista 
    O Homem!
  • O Homem

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

    Sim, era o Homem, 
    Era finalmente, e definitivamente, o Homem. 
    Viera para ficar. Tinha nos olhos 
    A força de um propósito: permanecer, vencer as solidões 
    E os horizontes, desbravar e criar, fundar 
    E erguer. Suas mãos 
    Já não traziam outras armas 
    Que as do trabalho em paz. Sim, 
    Era finalmente o Homem: o Fundador. Trazia no rosto 
    A antiga determinação dos bandeirantes, 
    Mas já não eram o ouro e os diamantes o objeto 
    De sua cobiça. Olhou tranqüilo o sol 
    Crepuscular, a iluminar em sua fuga para a noite 
    Os soturnos monstros e feras do poente. 
    Depois mirou as estrelas, a luzirem 
    Na imensa abóbada suspensa 
    Pelas invisíveis colunas da treva. 
    Sim, era o Homem... 
    Vinha de longe, através de muitas solidões, 
    Lenta, penosamente. Sofria ainda da penúria 
    Dos caminhos, da dolência dos desertos, 
    Do cansaço das matas enredadas 
    A se entredevorarem na luta subterrânea 
    De suas raízes gigantescas e no abraço uníssono 
    De seus ramos. Mas agora 
    Viera para ficar. Seus pés plantaram-se 
    Na terra vermelha do altiplano. Seu olhar 
    Descortinou as grandes extensões sem mágoa 
    No círculo infinito do horizonte. Seu peito 
    Encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria 
    No deserto uma cidade muita branca e muito pura... 
  • A Chegada dos Candangos

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

    Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo. 
    Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo. 

    E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria... 

    Dois locutores alternados 

    - Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo! 

    Locutor n. 1 
    - Cruz Alta... 
    Locutor n. 2 
    - Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria... 
    Locutor n. 1 
    - Para construir uma cidade branca e pura... 
    Locutor n.2 
    - Uma cidade de homens felizes...
  • O Trabalho e a Construção

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

    - Foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos de areia, e 2 mil quilômetros de fios. 

    - E 1 milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas... 

    - Ah, as empenas brancas! - 
    - Como penas brancas... 
    - Ah, as grandes estruturas! 
    - Tão leves, tão puras... 

    Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão ... 
    O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível. 

    Cantochão 

    E ao crespúsculo, findo o labor do dia, as rudes mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de horizontes que não têm fim, partem os trabalhadores para o descanso, na saudade de seus lares tão distantes e de suas mulheres tão ausentes. O canto com que entristecem ainda mais o sol-das-almas a morrer nas antigas solidões parece chamar as companheiras que se deixaram ficar para trás, à espera de melhores dias; que se deixaram ficar na moldura de uma porta, onde devem permanecer ainda, as mãos cheias de amor e os olhos cheios de horizontes que não têm fim. Que se deixaram ficar muitas terras além, muitas serras além, na esperança de um dia, ao lado de seus homens, poderem participar também da vida da cidade nascendo em comunhão com as estrelas. Que viram, uma manhã, partir os companheiros em busca do trabalho com que lhes dar uma pequena felicidade que não possuem, um pequeno nada com que poder sentir brilhar o futuro no olhar de seus filhos. Esse mesmo trabalho que agora, findo o labor do dia, encaminha os trabalhadores em bando para a grande e fundamental solidão da noite que cai sobre o planalto…
  • Coral

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim


    Coro Masculino 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    BRASIL!
        
    II 
    Coro Masculino 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    BRASIL!    

    III 
    Coro Misto 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    Brasília 
    BRASIL!

    VI 

    Terra de sol 
    Terra de luz 
    Terra que guarda no céu 
    A brilhar o sinal de uma cruz 
    Terra de luz 
    Terra-esperança, promessa 
    De um mundo de paz e de amor 
    Terra de irmãos 
    Ó alma brasileira ... 
    ... Alma brasileira ... 
    Terra-poesia de canções e de perdão 
    Terra que um dia encontrou seu coração 

    Brasil! Brasil! 
    Ah... Ah... Ah... 
    B r a s í l i a! 
    Dlem! Dlem! 
    Ô ... ô... ô... ô

    Tonga Editora Musical LTDA 
    Jobim Music