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A favorita dos deuses

Diretrizes , 10 de Setembro de1945

Quem é? É claro que é Dorothy Lamour. Não só dos deuses, mas das forças armadas americanas, e de muito paisano também que anda por aí, entre os quais modestamente me coloco. Por quê? Vai-se lá saber a razão dessas coisas... Pode-se dizer que seja uma grande atriz?
Nunca. Trata-se de uma reconhecida beleza? De modo algum. Tem o nariz mais deliciosamente amassado da criação. A boca mais capitosamente desmanchada que uma morena pode ter. Está inclusive engordando um pouco, com certeza porque gosta muito de comer. Que se há de fazer, no entanto Dorothy aparece e a gente entrega os pontos. É uma coisa saudável que ela tem, não sei. Confesso a minha fraqueza diante dessa morocha fabulosa, que nada tem a ver com o cinema. Diante dela anula-se o meu senso crítico. Ela é quem dirige a fita, faz o roteiro, monta a película, distribui a produção. E força é confessar que é uma das mulheres mais burras que já nasceram. Tudo nela transpira uma santa, sólida burrice. Faz as coisas com um certo desajeitamento, uma certa preguiça, uma completa falta de critério. Mas a verdade é que é muito bom. Dorothy Lamour canta, e parece ter luar na garganta, e sua voz é como uma pétala de rosa crestada. Ela conquista a gente por círculos, por círculos cada vez mais envolventes. Sua figura geométrica é a espiral. Se eu a tivesse que comparar a alguma coisa no mundo animal a compararia a uma gata; no mundo vegetal a uma rosa. Se ela fosse fruta seria manga, se fosse legume seria pimentão. Se ela fosse coisa seria poltrona estufada, cômoda antiga, colchão Hollywood de molas. Se ela fosse instrumento seria viola talvez violão quem sabe violoncelo, nunca violino. Se fosse livro seria livro encadernado a couro bem macio, nunca brochura, se fosse letra seria a letra d que é Dorothy, e reparem como parece com ela.
 
Dorothy Lamour tem direito a aparecer até em tecnicolor. Seu elemento são os lagos azuis para jogos aquáticos, as celebrações rituais onde ela dança em movimentos ofídicos entre bandejas de cocos, bananas, uvas e maçãs supercoloridas, vestida de sarongue estampado. Para Dorothy Lamour tudo, até o tecnicolor, é permitido, mas só para ela. Por isso, nem vale a pena criticar um filme seu, porque todo mundo vai mesmo. E aqui entre nós, faz muito bem.