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A você, meu caro Millôr Fernandes...

Rio de Janeiro , 2004

A você, meu caro Millôr Fernandes 
(Poeta íntimo, homem triste, grande humorista, mais conhecido por Vão Gôgo 
E às vezes […] ) 
A você que me pede o poema da minha tão sonhada volta ao Rio 
Eu direi humildemente: faço. 
Não é fácil, mas faço. Sem dúvida melhor fora 
Sair por aí transpirando e sonâmbulo, os braços estendidos 
A todos os azuis, os pés 
Indiferentes a todos os abismos, a aspirar, de olhos cerrados 
Os úmidos perfumes desta cidade de infinitas paciências 
E fragrâncias. Entretanto 
Coisa grave é um poema, e eu me dedicarei provisoriamente 
A tão duro dever. Nada lhe prometo, porém 
De bom de vez que ora sou apenas o filho pródigo e sinto-me ainda obnubilado 
De beleza. 
Ah, nada mais doce que essa sensação de pousar a cabeça no colo morno da pátria 
E deixar-se estar olhando o céu - como no Arpoador 
Onde se morre a cada instante ante o dilema 
Natureza e mulher. Que coisa, Millôr Fernandes 
A mulher no Rio! Quantas cortinas 
De veludo nos seus olhos, e com que maciez são abertas 
Até a vida! Que delícia, Millôr Fernandes 
Que grande delícia! A ela, antes e primeiro - salve! 
E salve lindo! Por ela tudo: poemas, alaúzas, ombro-armas 
Mortes, ressurreições. 
A que vai nunca é como a que vem. Ah, não é ela 
Número apenas, nem traz a fisionomia 
Pregada ao rosto como uma máscara. A ela 
Salve, e salve lindo! Por ela tudo: poemas, alaúzas, ombro-armas 
Mortes, ressurreições.