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O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Rio de Janeiro , 1953

Quando mergulhaste na água 
Não sentiste como é fria 
Como é fria assim na noite 
Como é fria, como é fria? 
E ao teu medo que por certo 
Te acordou da nostalgia 
(Essa incrível nostalgia 
Dos que vivem no deserto...) 
Que te disse a Poesia? 

Que te disse a Poesia 
Quando Vênus que luzia 
No céu tão perto (tão longe 
Da tua melancolia...) 
Brilhou na tua agonia 
De moribundo desperto? 

Que te disse a Poesia 
Sobre o líquido deserto 
Ante o mar boquiaberto 
Incerto se te engolia 
Ou ao navio a rumo certo 
Que na noite se escondia? 

Temeste a morte, poeta? 
Temeste a escarpa sombria 
Que sob a tua agonia 
Descia sem rumo certo? 
Como sentiste o deserto 
O deserto absoluto 
O oceano absoluto 
Imenso, sozinho, aberto? 

Que te falou o Universo 
O infinito a descoberto? 
Que te disse o amor incerto 
Das ondas na ventania? 
Que frouxos de zombaria 
Não ouviste, ainda desperto 
Às estrelas que por certo 
Cochichavam luz macia? 

Sentiste angústia, poeta 
Ou um espasmo de alegria 
Ao sentires que bulia 
Um peixe nadando perto? 
A tua carne não fremia 
À idéia da dança inerte 
Que teu corpo dançaria 
No pélago submerso? 

Dançaste muito, poeta 
Entre os véus da água sombria 
Coberto pela redoma 
Da grande noite vazia? 
Que coisas viste, poeta? 

De que segredos soubeste 
Suspenso na crista agreste 
Do imenso abismo sem meta? 

Dançaste muito, poeta? 
Que te disse a Poesia?

 

Rio de Janeiro, 1953.

Hart Crane (Ohio, 1899-1933) foi poeta. Suicidou-se saltando do Navio que o levava a Nova Iorque. Admirava T. S. Elliot, inspirando-se nele em sua busca de uma linguagem capaz de traduzir a vitalidade, as ambigüidade e perplexidades do mundo moderno. Sua obra mais conhecida é o poema épico The Bridge (A Ponte), iniciado em 1923 e publicado em 1930. Segundo Crane, o poema era uma "síntese mística da América".

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