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O poeta e a rosa

Rio de Janeiro , 1962

( E com direito a passarinho) 

Ao ver uma rosa branca 
O poeta disse: Que linda! 
Cantarei sua beleza 
Como ninguém nunca ainda! 

Qual não é sua surpresa 
Ao ver, à sua oração 
A rosa branca ir ficando 
Rubra de indignação. 

É que a rosa, além de branca 
(Diga-se isso a bem da rosa...) 
Era da espécie mais franca 
E da seiva mais raivosa. 

- Que foi? - balbucia o poeta 
E a rosa; - Calhorda que és! 
Pára de olhar para cima! 
Mira o que tens a teus pés! 

E o poeta vê uma criança 
Suja, esquálida, andrajosa 
Comendo um torrão da terra 
Que dera existência à rosa. 

- São milhões! - a rosa berra 
Milhões a morrer de fome 
E tu, na tua vaidade 
Querendo usar do meu nome!... 

E num acesso de ira 
Arranca as pétalas, lança-as 
Fora, como a dar comida 
A todas essas crianças. 

O poeta baixa a cabeça. 
- É aqui que a rosa respira... 
Geme o vento. Morre a rosa. 
E um passarinho que ouvira 

Quietinho toda a disputa 
Tira do galho uma reta 
E ainda faz um cocozinho 
Na cabeça do poeta.