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VINICIUS EM PORTUGAL

Festa, 1969

Direção de produção: João Martins
  • A uma mulher

    Vinicius de Moraes

    Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
    Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
    E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
    Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
    Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
    Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
    Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
    Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
    E que era preciso fugir para não perder o único instante
    Em que foste realmente a ausência de sofrimento
    Em que realmente foste a serenidade.
  • A volta da mulher morena

    Vinicius de Moraes

    Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
    Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
    E estão me despertando de noite.
    Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
    Eles são maduros e úmidos e inquietos
    E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
    Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
    Cortai os peitos da mulher morena
    Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
    E trazem cores tristes para os meus olhos.
    Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
    Traze-me para o contato casto de tuas vestes Salva-me dos braços da mulher morena
    Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
    São como raízes recendendo resina fresca
    São como dois silêncios que me paralisam.
    Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
    Livra-me do seu ventre como a campina matinal
    Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
    Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
    Reza para murcharem as pernas da mulher morena
    Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
    Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
    E está trazendo tosse má para o meu peito.
    Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
    Dai morte cruel à mulher morena!
  • Soneto de intimidade

    Vinicius de Moraes

    Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
    Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
    Mastigando um capim, o peito nu de fora
    No pijama irreal de há três anos atrás.

    Desço o rio no vau dos pequenos canais
    Para ir beber na fonte a água fria e sonora
    E se encontro no mato o rubro de uma amora
    Vou cuspindo-lhe o sangue em tomo dos currais.

    Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
    Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
    E quando por acaso uma mijada ferve

    Seguida de um olhar não sem malícia e verve
    Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
    Mijamos em comum numa festa de espuma.
  • Soneto a Katherine Mansfield

    Vinicius de Moraes

    O teu perfume, amada - em tuas cartas
    Renasce, azul... - são tuas mãos sentidas!
    Relembro-as brancas, leves, fenecidas
    Pendendo ao longo de corolas fartas.

    Relembro-as, vou... nas terras percorridas
    Torno a aspirá-lo, aqui e ali desperto
    Paro; e tão perto sinto-te, tão perto
    Como se numa foram duas vidas.

    Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
    Tanto rever-te, tanto! ... e a primavera
    Vem já tão próxima! ... (Nunca te apartas

    Primavera, dos sonhos e das preces!)
    E no perfume preso em tuas cartas
    À primavera surges e esvaneces.
  • Ternura

    Vinicius de Moraes

    Eu te peço perdão por te amar de repente
    Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
    Das horas que passei à sombra dos teus gestos
    Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
    Das noites que vivi acalentado
    Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
    Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
    E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
    Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
    Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
    É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
    E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
    E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.
  • O falso mendigo

    Vinicius de Moraes

    Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
    Quero fazer uma poesia.
    Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
    E me trazer muito devagarinho.
    Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
    Quero fazer uma poesia.
    Se me telefonarem, só estou para Maria
    Se for o Ministro, só recebo amanhã
    Se for um trote, me chama depressa
    Tenho um tédio enorme da vida.
    Diz a Amélia para procurar a "Patética" no rádio
    Se houver um grande desastre vem logo contar
    Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
    Tenho um tédio enorme da vida.
    Liga para vovó Neném, pede a ela uma idéia bem inocente
    Quero fazer uma grande poesia.
    Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
    Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
    Não quero perder nada na vida.
    Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
    Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
    Tenho um tédio enorme da vida.
    Minha mãe estou com vontade de chorar
    Estou com taquicardia, me dá um remédio
    Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
    Já não me diz mais nada
    Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
    Quero morrer imediatamente.
    Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
    Não agüento mais ser censor.
    Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
    Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
    Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
    Que podia britar pedra alegremente
    Ser negociante cantando
    Fazer advocacia com o sorriso exato
    Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
    Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.
  • O Desespero da Piedade

    Vinicius de Moraes

    Meu senhor, tende piedade dos que andam de bonde
    E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
    Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
    Quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

    Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
    E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
    Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
    E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina.

    Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
    Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
    Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
    E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

    Tende imensa piedade dos músicos dos cafés e casas de chá
    Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
    Mas tende piedade também dos que buscam silêncio
    E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

    Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
    E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
    Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
    E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

    Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
    Que em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
    E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
    Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...

    Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
    Que se efeminam por profissão mas que são humildes nas suas carícias
    Mas tende mais piedade ainda dos que cortam o cabelo:
    Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

    Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
    Que lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
    Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
    Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

    Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
    Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
    Mas tende mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
    Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

    Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
    Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
    Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
    Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.

    E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende píedade das mulheres
    Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
    Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
    Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

    Tende piedade da moça feia que serve na vida
    De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
    Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
    Que o homem molesta - que o homem não presta, não presta, meu Deus!

    Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
    Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
    E sonham exaltadas nos quartos humildes
    Os olhos perdidos e o seio na mão.

    Tende piedade da mulher no primeiro coito
    Onde se cria a primeira alegria da Criação
    E onde se consuma a tragédia dos anjos
    E onde a morte encontra a vida em desintegração.

    Tende piedade da mulher no instante do parto
    Onde ela é como a água explodindo em convulsão
    Onde ela é como a terra vomitando cólera
    Onde ela é como a lua parindo desilusão.

    Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
    Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
    Mas tende piedade também das mulheres casadas
    Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

    Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
    Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
    Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
    E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

    Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
    De corpo hermético e coração patético
    Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçada
    Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

    Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
    Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
    Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
    Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

    Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
    Que são crianças e são trágicas e são belas
    Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
    E que têm a única emoção da vida nelas.

    Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
    Ter piedade de si mesma e de sua louca mocidade
    E outra, à simples emoção do amor piedoso
    Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

    Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
    A vida fere mais fundo e mais fecundo
    E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
    E a loucura reside nesse mundo.

    Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
    Dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim
    Piedoso com todos, que tudo merece piedade
    E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim
  • Quarto soneto de meditação

    Vinicius de Moraes

    Apavorado acordo, em treva. O luar
    É como o espectro do meu sonho em mim
    E sem destino, e louco, sou o mar
    Patético, sonâmbulo e sem fim.

    Desço na noite, envolto em sono; e os braços
    Como ímãs, atraio o firmamento
    Enquanto os bruxos, velhos e devassos
    Assoviam de mim na voz do vento.

    Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
    Sem dimensão e sem razão me leva
    Para o silêncio onde o Silêncio dorme

    Enorme. E como o mar dentro da treva
    Num constante arremesso largo e aflito
    Eu me espedaço em vão contra o infinito.
  • Cântico

    Vinicius de Moraes

    Não, tu não és um sonho, és a existência
    Tens carne, tens fadiga e tens pudor
    No calmo peito teu. Tu és a estrela
    Sem nome, és a morada, és a cantiga
    Do amor, és luz, és lírio, namorada!
    Tu és todo o esplendor, o último claustro
    Da elegia sem fim, anjo! mendiga
    Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
    Minha, fosses a idéia, o sentimento
    Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
    Ausente, amiga, eu não te perderia!
    Amada! onde te deixas, onde vagas
    Entre as vagas flores? e por que dormes
    Entre os vagos rumores do mar? Tu
    Primeira, última, trágica, esquecida
    De mim! És linda, és alta! és sorridente
    És como o verde do trigal maduro
    Teus olhos têm a cor do firmamento
    Céu castanho da tarde - são teus olhos!
    Teu passo arrasta a doce poesia
    Do amor! prende o poema em forma e cor
    No espaço; para o astro do poente
    És o levante, és o Sol! eu sou o giro
    O giro, o girassol. És a soberba
    Também, a jovem rosa purpurina
    És rápida também, como a andorinha!
    Doçura! lisa e murmurante... a água
    Que corre no chão morno da montanha
    És tu; tens muitas emoções; o pássaro
    Do trópico inventou teu meigo nome
    Duas vezes, de súbito encantado!
    Dona do meu amor! sede constante
    Do meu corpo de homem! melodia
    Da minha poesia extraordinária!
    Por que me arrastas? Por que me fascinas?
    Por que me ensinas a morrer? teu sonho
    Me leva o verso à sombra e à claridade.
    Sou teu irmão, és minha irmã; padeço
    De ti, sou teu cantor humilde e terno
    Teu silêncio, teu trêmulo sossego
    Triste, onde se arrastam nostalgias
    Melancólicas, ah, tão melancólicas...
    Amiga, entra de súbito, pergunta
    Por mim, se eu continuo a amar-te; ri
    Esse riso que é tosse de ternura
    Carrega-me em teu seio, louca! sinto
    A infância em teu amor! cresçamos juntos
    Como se fora agora, e sempre; demos
    Nomes graves às coisas impossíveis
    Recriemos a mágica do sonho
    Lânguida! ah, que o destino nada pode
    Contra esse teu langor; és o penúltimo
    Lirismo! encosta a tua face fresca
    Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo
    Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma
    É o último suspiro da poesia
    O mar é nosso, a rosa tem seu nome
    E recende mais pura ao seu chamado.
    Julieta! Carlota! Beatriz!
    Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto
    Que se não brinco, choro, e desse pranto
    Desse pranto sem dor, que é o único amigo
    Das horas más em que não estás comigo.
  • Sob o trópico de câncer

    Vinicius de Moraes

    I

    Sai, Câncer
    Desaparece, parte, sai do mundo
    Volta à galáxia onde fermentam
    Os íncubos da vida, de que és
    A forma inversa. Vai, foge do mundo
    Monstruosa tarântula, hediondo
    Caranguejo incolor, fétida anêmona
    Carnívora! Sai, Câncer.
    Furbo anão de unhas sujas e roídas
    Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
    Que empestas as brancas madrugadas
    Com teu suave mau cheiro de necrose
    Enquanto largas sob as portas
    Teus sebentos volantes genocidas
    Sai, get out, va-t-en, henaus
    Tu e tua capa de matéria plástica
    Tu e tuas galochas
    Tu e tua gravata carcomida
    E torna, abjeto, ao Trópico
    Cujo nome roubaste. Deixa os homens em sossego
    Odioso mascate; fecha o zíper
    De tua gorda pasta que amontoa
    Caranguejos, baratas, sapos, lesmas
    Movendo-se em seu visgo, em meio a amostras
    De óleo, graxas, corantes, germicidas,
    Sai, Câncer
    Fecha a tenaz e diz adeus à Terra
    Em saudação fascista; galga, aranha,
    Contra o teu próprio fio
    E vai morrer de tua própria síntese
    Na poeira atômica que se acumula na cúpula do mundo.
    Adeus
    Grumo louco, multiplicador incalculável, tu
    De quem nenhum Cérebro Eletrônico poderá jamais seguir a matemática.
    Parte, poneta ahuera, andate via
    Glauco espectro, gosmento camelô
    Da morte anterior à eternidade.
    Não és mais forte do que o homem - rua!
    Grasso e gomalinado camelô, que prescreves
    A dívida humana sem aviso prévio, ignóbil
    Meirinho, Câncer, vil tristeza...
    Amada, fecha a porta, corta os fios,
    Não preste nunca ouvidos ao que o mercador contar!


    II

    Cordis sinistra
    - Ora pro nobis
    Tabis dorsalis
    - Ora pro nobis
    Marasmus phthisis
    - Ora pro nobis
    Delirium tremens
    - Ora pro nobis
    Fluxus cruentum
    - Ora pro nobis
    Apoplexia parva
    - Ora pro nobis
    Lues venérea
    - Ora pro nobis
    Entesia tetanus
    - Ora pro nobis
    Saltus viti
    - Ora pro nobis
    Astralis sideratus
    - Ora pro nobis
    Morbus attonitus
    - Ora pro nobis
    Mama universalis
    - Ora pro nobis
    Cholera morbus
    - Ora pro nobis
    Vomitus cruentus
    - Ora pro nobis
    Empresma carditis
    - Ora pro nobis
    Fellis suffusio
    - Ora pro nobis
    Phallorrhoea virulenta
    - Ora pro nobis
    Gutta serena
    - Ora pro nobis
    Angina canina
    - Ora pro nobis
    Lepra leontina
    - Ora pro nobis
    Lupus vorax
    - Ora pro nobis
    Tônus trismus
    - Ora pro nobis
    Angina pectoria
    - Ora pro nobis
    Et libera nobis omnia Câncer

    - Amém.


    III

    Há 1 célula em mim que quer respirar e não pode

    Há 2 células em mim que querem respirar e não podem

    Há 4 células em mim que querem respirar e não podem

    Há 16 células em mim que querem respirar e não podem

    Há 256 células em mim que quer respirar e não podem

    Há 65.536 células em mim que querem respirar e não podem

    Há 4.294.967.296 células em mim que quer respirar e não podem

    Há 18.446.744.073.709.551.616 células em mim que querem respirar e não podem

    Há 340.282.366.920.938.463.374.607.431.768.211.456 células em mim que querem respirar e não podem.


    IV

    - Minha senhora, lamento muito, mas é meu dever informá-la de que seu marido é portador de um tumor maligno no fígado...
    - Meu caro senhor, tenho que comunicar-lhe que sua esposa terá que operar-se de uma neoplastia do útero...
    - É, infelizmente a biopsia revela um osteo-sarcoma no menino. É impossível prever...
    - É a dura realidade, meu amigo. Sua mãe...
    - Seu pai ainda é um homem forte, vai agüentar bem a intervenção...
    - Sua avó está muito velhinha, mas nós faremos o possível...
    - Veja você... E é cancerologista...
    - Coitado, não tinha onde cair morto. E logo câncer...
    - Há muito operário que morre de câncer. Mas câncer de pobre não tem vez...
    - Era nosso melhor piloto. Mas o câncer de intestino não perdoa...
    - Qual o que, meu caro, não se assuste prematuramente. Câncer não dá em deputado...
    - Parece que o General está com câncer...
    - Tão boa atriz... E depois, tão linda...
    - Que coisa! O Governador parecia tão bem disposto...
    - Se for câncer, o Presidente não termina o mandato...
    - Não me diga? O Rei...
    - Mentira... O Papa?...
    - E atenção para a última notícia. Estamos ligados com a Interplat 666...

    - DEUS ESTÁ COM CÂNCER.