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Falta de assunto

A Manhã , 28 de Setembro de1941

Há um fenômeno de degenerescência tão epidérmico no atual cinema, que, partidarismo à parte, ninguém, nem o mais furibundo dos "talkistas", o pode negar. Quero referir-me à falta de assunto em que andam as grandes produtoras, falta de assunto tão fatal que, uma vez surgido um tema de sucesso, um casal engraçado, uma quadrilha de meninos, um círculo familial característico, e os produtores o ordenham até vê-lo secar. Crianças prodígios; pares que se encontram "numa tarde chuvosa"; uma gangue de menores delinqüentes; casais de velhos rabugentos; qualquer coisa que tenha o seu instante de glória junto ao público que só quer passar o tempo - e essa coisa rende, rende, até esgotar a paciência de um santo. 

Foi assim com Shirley Temple; depois com tudo o mais. Fizeram-se séries de detetives. As primeiras, boas algumas, como as de Charlie Chan quando ainda vivia o excelente Warner Oland. Depois mudaram o detetive, persistiram, quiseram continuar a ganhar dinheiro com o assunto. Sets fáceis prestavam-se à maravilha para este gênero de exploração. E ficou essa droga que é o Charlie Chan de agora. Criaram mesmo um mr. Moto para orientalizar mais a tradição. Foi um desastre. 

A jovem Shirley Temple só faltou dançar clássico. Esticaram a menininha até ela (que no princípio agradou tanto) tornar-se um dos maiores xaropes infantis já provados pelo século. Depois a srta. Claudette Colbert, que brilhava numa comédia chamada Aconteceu naquela noite... (título, aliás, bem ajustado à estupidez literária da época), lançou o tipo da moça moderna, estouvada e sagaz, jornalista às vezes, esposa quase sempre, às voltas com galãs metidos em encrencas políticas ou não, tudo debaixo de muito quiproquó, muita piada, muita emoção risonha. Esse gênero, positivamente, tornou-se cósmico. Apareceram mulheres-detetives, casais-detetives, William Powell, Myrna Loy, Melvyn Douglas, Joan Blondell, fazendo tipos da maior idiotice possível. 

Os meninos de Dead End, que tiveram uma parte realmente soberba no filme, transformaram-se numa espécie de prato de ovos com petit-pois em refeição de emergência. Fizeram-nos fritos, cozidos, duros, pochés, em omelete, à moda nossa, de todos os jeitos possíveis. Esses "anjos da cara suja" tornaram-se um tratado de caceteações ambulante. 

Haveria uma infinidade de exemplos a dar para mostrar ao público como se o engana claramente. Esta semana mesmo, há um. Lá está no Metro, e chama-se O marido da solteira. O indefectível Melvyn Douglas e a everlasting Myrna Loy. Ela com aquele mesmo arzinho levemente preocupado, tão buscadamente preocupado, e ele com aquela mesma simpatia quarentona. Uma pinóia.