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Deu terra?

Última Hora , 15 de Junho de1951

Não é por nada não, mas acontece que estando em um lotação, ou melhor, num microônibus, ou melhor, num corre-corre, ou melhor, num morre-morre, e sendo a tarde amena e propícia ao pensar, pus-me a fazê-lo com grande desenvoltura. Pensamento vai, pensamento vem, de repente começaram a desfilar na tela da minha imaginação nomes de filmes brasileiros do passado e do presente. Lembrei-me dos tempos silenciosos e falados, e recordei várias películas, confesso que não sem uma certa ternura. Ganga bruta, Brasa dormida, Argila, Cascalho, Terra Violenta, Barro humano, Flor do lodo, Terra é sempre terra - todos esses nomes me ocorreram no trajeto fatídico do Leblon à avenida Presidente Vargas, em meio a desmaios de senhoras, imprecações de cavalheiros e distúrbios gerais do vago-simpático entre os condenados presentes. 

Pouco a pouco a incidência desses títulos me fez ponderar. Pois não é que todos eles tinham qualquer coisa a ver com terras, ou produto da terra? Coisa engraçada esse complexo, por assim dizer, geológico dos nossos homens de cinema, de deitar terra em tudo ou quase tudo o que fazem. Por que será? Fiquei assuntando enquanto o lotação se encolhia como uma sanfona para passar entre um ônibus e um caminhão, o que conseguiu galhardamente embora à custa de cinco anos de minha vida e de um ataque cardíaco de um ancião sentado no último banco. 

É terra que ta-parta - é ou não é? Mas está longe de ter explorado todas as possibilidades desse nome que é também o do planeta onde se desgastam nossas pobres vidas. Falta, por exemplo: "Minha terra não tem parreiras" - que daria um excelente título para um musical interpretado por minhas amigas Luz del Fuego e Elvira Pagã. 

"Minha terra tem Parreiras", ótima cinebiografia a fazer do famoso mestre acadêmico; "Sonho que aterra", sobre, por exemplo, a batalha em torno do Instituto Nacional de Cinema, de Alberto Cavalcanti; "Terrorismo", a propósito do cangaço político ultimamente em voga; "Terramicina", em louvor da milagrosa droga; e mais "Terremoto", "Terrina", "Inglaterra", "Terraço" e terras quantas hajam, roxas, crescidas, caídas, de Siena, firmes, novas (em homenagem à raça canina), pretas e refratárias. Muita terra, muita terra, terrivelmente terra. Capaz de aterrar o quintalzinho d'água que ainda resta à nossa linda Guanabara.