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Cinema (III)

A Manhã , 1 de Agosto de1941

Alexandre Korda deve ser parente bem próximo de Cecil de Mille. Qualquer coisa assim como um sobrinho criado na Inglaterra, mais sóbrio, um pouco menos gafeur, mas que, no fundo, conservou todo o mau gosto do tio yankee, o seu amor às cores berrantes, à sua pífia demagogia, à sua cultura de almanaque. Suas "câmeras" lembram essas senhoras em excesso puritanas, boas bordadeiras e ótimas donas de casa que lêem, no silêncio das noites, folhetins de aventuras, suspirando pelos heróis, másculos e perfeitos nos seus gestos de luta. Suas casas devem ter cortinas de veludo, seus gabinetes de trabalho, a pompa dos tinteiros de ouro e das estatuetas de bronze. Seus bichos domésticos devem ser o pavão, o, galgo russo e em cinema devem encontrar na inacessível águia, capaz de sobrevoar montanhas e dominar as massas, o melhor símbolo da própria inspiração. 

Imagino a inveja em que não se terão. Tais gigantes nasceram para o combate senão para a admiração mútua. Lutarão até ao fim, arrancando, se preciso, os dentes naturais e fazendo-os substituir por blocos de ouro, platina e até radium, para que nenhum perca para o outro, nem em quantidade nem em brilho. 

O ladrão de Bagdá deve ter provocado em Mille uma crise de fígado. Porque, sejamos honestos, o mestre de Cleópatra dificilmente faria uma salada tão perfeita. Uma salada de tomate ao molho de mayonnaise, com um pouquinho de caviar para dar o tom. Sim, meus senhores, aquelas cores não me são estranhas! Já as vi algures, em mais de um anúncio de culinária, em mais de um prato de vitaminas, em alguns magazins americanos, cujo nome não consigo mais lembrar. A féerie é realmente de molde a dar água na boca. Uma estesia para os olhos. Arabinduchinollywoodisticamente perfeito. 

Tipos admiráveis. Simbá, o nosso querido e jovial marujo, aparece mas só em nome, para nos dar saudade das Mil e uma noites. E que finura de invenções, que técnica de milagres! 
O cavalo voador, o gigante também voador, a rainha do templo também voadora, Alexandre Korda, o maior voador! 

E não bastavam três diretores sob a supervisão do mestre, para perpetrar uma tal maravilha! O velho Douglas deve estar emocionado no seu túmulo. Ele que fazia um Ladrão de Bagdá para gente de toda a idade - como deve ser o verdadeiro maravilhoso, pois assim são as Mil e uma noites e assim é Robinson Crusoe, e assim cria Carlito, e assim faz quase sempre Walt Disney - ver-se desta forma vilipendiado, ultrapassado pelo cabotinismo inventivo do grande, do imenso Korda! 

Pais que zelais pela imaginação infantil dos vossos filhos, que quereis preservá-los na pureza do verdadeiro contato com o sonho dos mundos feéricos, que não gostais de lhes mentir para que neles não se corrompa a vida e o encanto dos anos da infância - perdoai-me o vocativo - não os leveis a ver O ladrão de Bagdá. Aquilo é falsificação duzentos por cento. São caras bonitas, cores vivas e o resto pura exploração, pura vontade de encher o cofre à custa da ingenuidade alheia. 

Ide vós mesmos, se vos aprouver, como eu fui, e tentai aguçar o vosso senso crítico sem vos deixar engabelar pela presença do arco-íris na tela. Quem sabe não sou tão ingênuo assim. Quem sabe não me dareis razão. 

Cotação: Não perca tempo.