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Cartas venenosas

Última Hora , 13 de Julho de1951

Faz tempo, o diretor francês Clouzot fez um filme sobre uma história de Louis Chavance que, sem ser um filme de primeiríssima classe, é um trabalho de cinematografia digno de ser visto. Otto Preminger, um dos maiores cabotinos de Hollywood, pôs-se na cabeça de refazer a direção do diretor francês e o resultado é a droga que está sendo exibida no circuito Severiano Ribeiro. 
Tentando imitar a pátina fotográfica do cinema europeu, Otto Preminger nada mais consegue que uma falsificação completa dessa novela sobre um psicopata que no meio acanhado de uma pequena cidade francesa, filmada, no caso, numa cidadezinha canadense, limítrofe dos EUA, dedica-se a mandar cartas anônimas aos habitantes mais conspícuos de referido agrupamento humano, revelando todos os seus podres com um espírito de porco que não o recomenda em absoluto à estima dos cidadãos mais probos de nossa sociedade. 

A contrafação em apreço tem como principal intérprete o canastrão francês Charles Boyer, que enverga a própria careca com uma simplicidade que seria digna dos maiores encômios não interpretasse ele o papel de um velho médico enganado pela mulher. Linda Darnell ilustra essa farsa falsamente psicológica com a sua beleza bovaryana, esforçando-se em vão para representar bem o papel de uma jeune fille, presa de instintos inconfessáveis. Um cidadão de cara esquálida, cujo nome agora me escapa, faz o mocinho bonito em torno do qual giram todos os interesses femininos dessa pseudocidade francesa made in Hollywood. O resultado de toda a panacéia é uma crescente e insopitável chateação que me fez abandonar o filme em seus dois terços por mister mais agradável. 

O mais curioso é que todos os integrantes da película são gente em geral moça e bonita, com as orelhas no lugar, dois olhos sob a testa, e sem nenhum defeito físico aparente, com exceção de Linda Darnell, que os tem de maneira até bem engraçadinha. A normalidade física de todos não impede que representem igualmente mal os papéis que lhes foram confiados. Sem querer com isso ferir a susceptibilidade de Charles Boyer, que representa o seu especialmente mal - tão mal, que eu lhe daria de bom grado um novo Oscar às avessas. Pois nada me diverte mais que ver o antipático ator francês que se vendeu a Hollywood pôr na mesa as verdadeiras cartas do seu jogo - ele de cujo caráter eu sei coisas que não o recomendam nem para ser jogado nos piores bueiros da Cidade.