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Carnet de Bal, de Julien Duvivier

A Manhã , 1 de Agosto de1941

Julien Duvivier deve ter a impressão de alguém que descobriu a luz. Há um tal amor à luz nas suas imagens, que a impressão que se tem, vendo um filme seu, é de que o grande diretor teria saído das trevas de uma cegueira, e estaria vendo a natureza, a mulher, as coisas pela primeira vez. Seu naturalismo, se não é forte a palavra, é uma consecução de simplicidade. Ele ama a luz que torna as coisas exatas, sem malícia. 

Essa, a sua força, a sua virilidade como artista. Duvivier nunca esquece a vida na composição de seus filmes. Nada de um Jacques Feyder, esse artífice da composição, que distribui, ao longo de suas cenas, elementos plásticos, fortuitos e que dirige um filme antes como pintor que como cineasta. Duvivier não terá, talvez, e graças a Deus, aguçado tanto a sua técnica de cinema como Feyder ou como Pabst, mas tem mais que ambos o sentido do verdadeiro cinema, que deve ser a visão espontânea do movimento sob a luz. 

O realismo de certos grandes cineastas como Fritz Lang, por exemplo, vem de uma idéia muito mais falseada pela técnica. Fritz Lang sabe fazer uma imagem "durar", sabe que a expressão aumenta na razão inversa da luz projetada, sabe caminhar impassivelmente para um "clímax"; sabe o valor do tempo em cinema. Duvivier dispensa qualquer técnica menos simples, qualquer elemento estranho à vida, em cinema.
 
Sua câmera é alguma coisa quieta, em admiração. A ingenuidade com que concebe suas histórias não se voltou contra ele, muíto pelo contrário. Seu filme procura, até onde possível, existir. 

Carnet de bal tem um enredo convencional, excessivamente francês. Mas tão bem intencionado! Não faz mal ser convencional assim. 

O filme decorre de um capricho de Marie Bell - que não sabemos por que Duvivier e tantos outros bons diretores têm escolhido, quando uma atriz apenas passável, sem nenhum encanto feminino, para não dizer, muito feia - que sente, na madureza, o impulso de rever e reviver os seus admiradores de um velho baile da mocidade. O que é notável na película são esses quadros isolados, dirigidos com uma segurança, com uma facilidade de assombrar. O filme é isso: essa "exposição de quadros", em bom cinema, com uma figura triste, saudosa, de mulher passando em frente a eles. As cenas de Raimu e Harry Baur são, sem dúvida, as melhores. A de Fernandel, menos feliz. Cortadas as de Louis Pierre Wilm e Pierre Blanchar, o que é um desaforo. 

Cotação: Deve ser visto.