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Alberto Cavalcanti e o I.N.C. (II)

Última Hora , 28 de Julho de1951

Ora, direis, Alberto Cavalcanti... Esse famoso cineasta brasileiro, sobre que você falou ontem, com tanta ternura, meu ingênuo cronista - não é ele o mesmo homem que a Companhia Cinematográfica Vera Cruz despediu por excesso de gasto na sua primeira produção, o filme Caiçara? Como é que você pode defender com tanto ardor um homem que, por mais talento que tenha, não é capaz de gerir na justa medida o patrimônio financeiro de uma empresa da qual é chefe de produção? 

E eu vos direi: Eu sei coisas... Eu sei, por exemplo, que se a Vera Cruz pode agora, como o faz, convidar a Comissão Parlamentar para Rádio, Teatro e Cinema a uma visita a seus estúdios, se a Vera Cruz pode convidar meu amigo, o jornalista Pompeu de Sousa, secretário do Diário Carioca, para ver com seus próprios olhos a magnificência do aparato técnico de que dispõe, é que a Vera Cruz pode efetivamente mostrar coisas a esses ilustres visitantes. A única peninha para atrapalhar é que essas coisas deve a Vera Cruz à gestão "perdulária" de Alberto Cavalcanti, que reajustou o estúdio e o deixou aparelhado para produzir três filmes no primeiro ano, com um aumento gradativo posterior. 

Eu trarei brevemente dados do maior interesse que mostrarão à sociedade que eficiente foi a ação de Cavalcanti dentro da Vera Cruz, nos termos do seu contrato, em contraposição à atitude arbitrária e à incompetência administrativa do sr. Franco Zapari, então vice-presidente da Companhia. É claro que ninguém pode fazer um primeiro filme dentro de uma companhia em organização, sem gastos iniciais mais elevados, sobretudo quando se quer fugir aos padrões técnicos usuais da produção nacional. Cavalcanti - cuja probidade moral e competência técnica podem se provar pelo fato de lhe ter o governo inglês confiado, durante a guerra, a chefia da sua propaganda no setor do cinema, a ele, um estrangeiro que nunca se quis naturalizar - é claro que não se poderia conformar com a guerra surda e os métodos pouco claros que, depois de Caiçara na rua, a Vera Cruz começou a usar como que para forçar-lhe a saída. 

Uma coisa é certa: Cavalcanti, na Vera Cruz, produziu dois filmes que, apesar dos defeitos, são valores totalmente novos dentro da cinematografia nacional. Caiçara foi exibido com grande sucesso no Festival Uruguaio de Punta del Este. Seus métodos de trabalho têm o lastro de 25 anos experiência na Europa - onde ele é considerado, ao lado desse imenso Flaherty que acaba de morrer, de Grierson e de Ruthman, um dos pioneiros do documentário no cinema.