voltarPoesias

O sacrifício do vinho

Rio de Janeiro , 2004

Paris
Contra o crepúsculo 
O vinho assoma, exulta, sobreleva 
Muda o cristal da tarde em rubra pompa 
Ganha som, ganha sangue, ganha seios 
Contra o crepúsculo o vinho 
Menstrua a tarde. 

Ah, eu quero beber do vinho em grandes haustos 
Eu quero os longos dedos líquidos 
Sobre meus olhos, eu quero 
A úmida língua... 

O céu da minha boca 
É uma cúpula imensa para a acústica 
Do vinho, e seu eco de púrpura... 
O cantochão do vinho 
Cresce, vermelho, entre muralhas súbitas 
Carregado de incenso e paciência. 
As sinetas litúrgicas 
Erguern a taça ardente contra a tarde 
E o vinho, transubstanciado, bate asas 
Voa para o poente 
O vinho... 

Uma coisa é o vinho branco 
O primeiro vinho, linfa da aurora impúbere 
Sobre a morte dos peixes. 
Mas contra a noite ei-lo que se levanta 
Varado pelas setas do poente 
Transverberado, o vinho... 
E o seu sangue se espalha pelas ruas 
Inunda as casas, pinta os muros, fere 
As serpentes do tédio; dentro 
Da noite o vinho 
Luta como um Laocoonte 
O vinho... 

Ah, eu quero beijar a boca moribunda 
Fechar os olhos pânicos 
Beber a áspera morte 
Do vinho...

Livros com essa poesia