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Balada do enterrado vivo

Rio de Janeiro , 1946

Na mais medonha das trevas 
Acabei de despertar 
Soterrado sob um túmulo. 
De nada chego a lembrar 
Sinto meu corpo pesar 
Como se fosse de chumbo. 
Não posso me levantar 
Debalde tentei clamar 
Aos habitantes do mundo. 
Tenho um minuto de vida 
Em breve estará perdida 
Quando eu quiser respirar. 

Meu caixão me prende os braços. 
Enorme, a tampa fechada 
Roça-me quase a cabeça. 
Se ao menos a escuridão 
Não estivesse tão espessa! 
Se eu conseguisse fincar 
Os joelhos nessa tampa 
E os sete palmos de terra 
Do fundo à campa rasgar! 
Se um som eu chegasse a ouvir 
No oco deste caixão 
Que não fosse esse soturno 
Bater do meu coração! 
Se eu conseguisse esticar 
Os braços num repelão 
Inda rasgassem-me a carne 
Os ossos que restarão! 

Se eu pudesse me virar 
As omoplatas romper 
Na fúria de uma evasão 
Ou se eu pudesse sorrir 
Ou de ódio me estrangular 
E de outra morte morrer! 

Mas só me resta esperar 
Suster a respiração 
Sentindo o sangue subir-me 
Como a lava de um vulcão 
Enquanto a terra me esmaga 
O caixão me oprime os membros 
A gravata me asfixia 
E um lenço me cerra os dentes! 
Não há como me mover 
E este lenço desatar 
Não há como desmanchar 
O laço que os pés me prende! 

Bate, bate, mão aflita 
No fundo deste caixão 
Marca a angústia dos segundos 
Que sem ar se extinguirão! 

Lutai, pés espavoridos 
Presos num nó de cordão 
Que acima, os homens passando 
Não ouvem vossa aflição! 
Raspa, cara enlouquecida 
Contra a lenha da prisão 
Pesando sobre teus olhos 
Há sete palmos de chão! 
Corre mente desvairada 
Sem consolo e sem perdão 
Que nem a prece te ocorre 
À louca imaginação! 
Busca o ar que se te finda 
Na caverna do pulmão 
O pouco que tens ainda 
Te há de erguer na convulsão 
Que romperá teu sepulcro 
E os sete palmos de chão: 
Não te restassem por cima 
Setecentos de amplidão!

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