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A Santa de Sabará

Rio de Janeiro , 2004

À gravadora chilena Graciela Fuenzalida 
que trocou o mundo por Sabará 

A um grito da Ponte Velha 
Existe a "Pensão das Gordas" 
(Cantou-as Mário de Andrade!) 
Em Sabará. Na alpendrada 
Sobre o rio que escorrega 
A pensão mira a cidade 
Ladeira acima. Na Páscoa 
As quaresmeiras da serra 
São manchas roxas de mágoa 
E de manhã bem cedinho 
A névoa pousa na terra 
Como uma anágua de linho. 
A cidade se espreguiça 
Nas cores do casario 
Que vive a pular carniça 
Nas rampas de beira-rio. 
E é doce vê-la sorrindo 
Aos anjos do Aleijadinho 
Que na portada do Carmo 
Com bochechas inchadas 
Assopram, de tanto frio. 
Há paz na velha cidade 
Uma paz de fazer longe... 
A não ser na identidade 
De certa dona chilena 
Uma de rosto de monja 
Corpo seco, tez serena 
E que, na "Pensão das Gordas" 
Onde há seis anos assiste 
Desde o momento em que acorda 
Vive, e nem sabe que existe 
Entalhando na madeira 
As horas mais dolorosas 
Da Paixão de Jesus Cristo. 
Atende por Graciela 
Mas não atende a ninguém 
Que não tenha como ela 
A grande paixão do bem. 
Sempre fechada em seu quarto 
Mesmo à feição de uma freira 
As suas dores do parto 
Doem na carne de madeira 
Onde ela entalha o fervor 
De tudo o que há de mais casto 
O rebanho e o bom pastor 
O burrinho no seu pasto. 
E às vezes, na nostalgia 
Quem sabe, do mundo fora 
Grava com luzes de aurora 
Com milagres da poesia. 

O viajante que passa 
Itinerante por lá 
Não se espante se, na aurora 
Ou à luz crepuscular 
Vir o vulto iluminado 
De um belo arcanjo pousado 
Guardando a casa onde mora 
A santa de Sabará.

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