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A espantosa ode a São Francisco de Assis

Rio de Janeiro , 2004

1

Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello, ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens 
Este é Vinicius de Moraes, de quem se podia dizer - o poeta - se jamais alguém o pudesse ser depois de ti. 


2

Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto 
Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante. 


3

Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça 
Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça. 


4

Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra 
E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra. 


5

Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo 
E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase. 


6

Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste 
Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula. 


7

Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado 
Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado. 


8

Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias 
Vendo-me criança - se é que eu fui criança um dia! 


9

Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica 
E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica! 


10

Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim 
E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti. 


11

Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta 
Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta. 


12

És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo 
Se eu fosse como tu mesmo? - e te proclamaria? 


13

E [...] porque amo a miséria em mim que me deposita em ti 
Porque não fosse eu sombra não serias sol nem pensarias em mim. 


14

E [ ... ] porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade 
E de todos tenho piedade menos de mim - e não há salvação para minha piedade 


15

Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas 
E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma. 


16

Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne 
E astuto como o fogo e plástico como a água. 


17

Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio 
E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio. 


18

Tu és a Palavra - a palavra inexistente - a poesia 
Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia. 


19

Não creio em Deus mas creio em ti - Deus é minha melancolia 
Tu és minha poesia - ou quando não seja o amor que ela se deseja 


20

Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho 
Tenho a emoção - tenho-a? - nem pranto mais blues. 


21

Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz 
Se não existisses talvez - mas exististe, São Francisco de Assis! 


22

És a infância não vivida, és a mocidade não merecida 
És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida. 


23

Ninguém o sabe senão tu - nem mesmo eu sei! nesse momento 
Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento. 


24

Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga 
De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta. 


25

É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia 
E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri. 


26

Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo, 
Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só. 


27

Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala 
Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala. 


28

Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível 
E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu. 


29

E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo. 


30

E que a transportou na memória em amor e que foi traído 
Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida. 


31

E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura 
Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura. 


32

E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz 
A quem a mulher diz - Faz! e ele faz, tal como eu fiz. 


33

Antes do sêmen! e não morri - e bela fiz minha criatura    
Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura. 


34

Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado 
E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado. 


35

Porque fazemos um - eu e a mulher - e não há dois arrependimentos 
Para um só corpo - nem duas salvações para um só sentimento. 


36

E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho 
E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti 


37

Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria 
Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra. 


38

Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras 
E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem. 


39

O santo, o herói e o poeta - três penitências do mundo 
Tu, santo, herói e poeta - uma penitência em mim. 


40

Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno 
Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno. 


41

Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade 
Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade. 


42

Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores 
A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro. 


43

Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre 
E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade. 


44

E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas 
E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro. 


45

Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma 
Taumaturgo - palavra que contém silêncio e que me acalma! 


46

Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister 
And there was an Armenian [ ... ] all the others. 


47

Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms 
But was a bloody phantom between them, so help me God! 


48

Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens 
Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono. 


49

Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God! 
Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte. 


50

Em vão te direi - ou não? - porque não vens beber meu vinho 
Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho. 


51

São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo 
No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno! 


52

Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia 
Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo! 


53

Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos 
Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo. 


54

Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro 
Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro. 


55

Quatro livros escrevi - e sou tão moço! e nada compreendo de mim 
Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim. 


56

Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião 
E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não. 


57

E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes 
Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno! 


58

Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites 
E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso. 


59

Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram em vão 
E o direi em vão, e morrerei, e os que me virem, sorrirão.