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A que vem de longe

Rio de Janeiro , 1951

A minha amada veio de leve 
A minha amada veio de longe 
A minha amada veio em silêncio 
        Ninguém se iluda. 

A minha amada veio da treva 
Surgiu da noite qual dura estrela 
Sempre que penso no seu martírio 
        Morro de espanto. 

A minha amada veio impassível 
Os pés luzindo de luz macia 
Os alvos braços em cruz abertos 
        Alta e solene. 

Ao ver-me posto, triste e vazio 
Num passo rápido a mim chegou-se 
E com singelo, doce ademane 
        Roçou-me os lábios. 

Deixei-me preso ao seu rosto grave 
Preso ao seu riso no entanto ausente 
Inconsciente de que chorava 
        Sem dar-me conta. 

Depois senti-lhe o tímido tato 
Dos lentos dedos tocar-me o peito 
E as unhas longas se me cravarem 
        Profundamente. 

Aprisionado num só meneio 
Ela cobriu-me de seus cabelos 
E os duros lábios no meu pescoço 
        Pôs-se a sugar-me. 

Muitas auroras transpareceram 
Do meu crescente ficar exangue 
Enquanto a amada suga-me o sangue 
        Que é a luz da vida. 

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