volverDiscografía

DEUS LHE PAGUE

EMI-Odeon, 1976

Direção de produção: Renato Corrêa
Produção executiva: Aloysio de Oliveira
  • Eu agradeço

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Eu agradeço 
    Eu agradeço a você 
    Muito obrigado por toda a beleza que você nos deu 
    Sua presença, eu reconheço 
    Foi a melhor recompensa 
    Que a vida nos ofereceu 

    Foi muito lindo 
    Você ter vindo 
    Sempre ajudando, sorrindo, dizendo 
    Que não tem de quê 

    Eu agradeço, eu agradeço 
    Você ter me virado do avesso 
    E ensinado a viver 
    Eu reconheço que não tem preço 
    Gente que gosta de gente assim feito você

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • O que é que tem sentido nesta vida

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    O que é que tem sentido nesta vida 
    Não vai ser casa e comida 
    Cama fofa, cobertor 
    Não vai ser ficar mirando os astros 
    Ou então andar de rastros 
    Pelas sendas do senhor 

    Para muitos é o dinheiro 
    Ir de janeiro a janeiro 
    De pé no acelerador 
    Eu sinceramente, preferia 
    Uma vida de poesia 
    Na vigília de um amor 

    Há quem creia em ter status 
    Sair em fotos & fatos 
    Ter ações ao portador 
    Eu só acredito em liberdade 
    E estar sempre com saudade 
    De viver um grande amor

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Samblues do dinheiro

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Nunca vi muito dinheiro 
    Trazer felicidade pra ninguém 

    Dinheiro vai! 
    Dinheiro vai! 

    Dinheiro pela frente 
    Dinheiro por de trás 
    Me diga qual o bem que isto faz 
    Dinheiro pelo sim 
    Dinheiro pelo não 
    No fim são sete palmos de chão 

    Dinheiro vai! 

    Dinheiro com dinheiro 
    Querem se juntar 
    É só multiplicar e somar 
    Guerreiro com guerreiro 
    Só querem guerrear 
    Só fazem zig zig zig zá 

    Dinheiro vai! 

    As coisas são mais fáceis 
    Pra quem se chama Onassis 
    Dinheiro pelo sim 
    Dinheiro pelo não 

    Dinheiro vai!

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Lamento de João

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Meu ofício é vir de longe 
    Chegar tarde, sem tostão 
    Trabalhar sem fazer força 
    Ir-me embora sem razão 

    Vem pensar o meu caminho 
    Joga encargos onde eu for 
    Que eu prefiro andar sozinho 
    Que criar um falso amor 

    Eu gosto muito de moça 
    Porém sem misturação 
    Dez pra ter perto dos olhos 
    E uma só junto da mão 

    Queira Deus que ele me desse 
    Como gratificação 
    Uma terra brasileira 
    Pra eu plantar meu coração 

    Falado 

    Eu saí cedo de casa. O pai mandava brasa sem parar, e as crianças nasciam, cresciam e morriam, tudo ao mesmo tempo. Saí e fui andando. Às vezes pegava um leito, um mutirão, mas não era o que meu coração pedia. Meu coração pedia sombra, água fresca e colo de moça bonita. Um dia, eu estava tão esmulambado que um cara, sei lá, devia ser louco, meteu a mão no bolso e me passou um Deodoro. Rapaz! Eu não sei como minha mão foi caminhando pra frente, sem me pedir licença. Foi, e de repente ficou assim, parada no ar, de palma pra cima, numa aceitação tão linda que cheguei a ficar com lágrimas nos olhos. Intentei bem naquela mão, naquele gesto, sentindo que ele dava tudo o que eu queria da vida. E foi aí que comecei a trabalhar de mendigo. Verdade que levantei uma "ervinha fofa". Não sei como eu agradava. Isto é, eu sei: por causa do meu modo de pedir, de minha bossa de esmolar, para tornar o doador responsável pela esmola que dava. Aí, veio a mania de viagens, eu me engajava em qualquer navio e partia. Assim, corri o mundo e aprendi a mendigar em muitas línguas. Fui mendigo em Singapura, em Túnis, no Cairo, em Adis Abeba, e por aí. Mas aí deu a saudade do tutu com torresmo, da galinha ao molho pardo, da empadinha de camarão, e eu me mandei de volta. Vim ser um mendigo inserido no meu contexto. Vim ser um mendigo subdesenvolvido, ou melhor, em fase de desenvolvimento, como querem os economistas, e estou contente.

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Labirinto

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Não me lembro de onde vim 
    E já nem sei mesmo para onde é que eu vou 
    Não conheço o meu caminho 
    Estou começando a nem saber se estou 
    Sou um manequim, eu sou em sem mim 
    Sou um manequim que a vida já despiu 
    Que o vento já levou 

    Dentro deste labirinto 
    Sinto crescer a minha solidão 
    Passam braços que me enlaçam 
    Mãos que roçam pela escuridão 
    Que será de mim? 
    Eu sou eu sem mim 
    Sou um manequim que vai sem direção 
    Em busca de seu fim 

    Ah, quem me dera coragem 
    Ah, quem me dera a esperança 
    Ah, se eu pudesse encontrar o amor 
    E dizer-lhe que estou ao seu inteiro dispor 
    De onde surgem estas luzes? 
    Cruzes! Que medo, são assombrações 
    Sombras que se arrastam lentas 
    E, pelos espaços, mais estranhos sons 
    Estou chegando ao fim, eu sou eu sem mim 
    Sou um manequim sozinho e sem canções 
    Estou chegando ao fim

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Tá difícil

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Que língua é essa? 
    Deve ser língua de "estranja" 
    Essa língua ninguém manja 
    Que será desses 

    Tá me pintando que é linguagem de francês 
    Isso é língua de inglês ou de doido lá do hospício 

    É tão difícil 
    Tá difícil, tá difícil 
    Pode ser, mas tá difícil 
    Tá difícil de entender 
    Prá falar isso só mudando de ofício 
    Porque só quem fala isso é João 
    "Não-tem-de-quê" 

    Se eu bem me lembro 
    Pra ganhar a minha esmola 
    Tirei curso em muito escola 
    De Beirute a Bombaim 

    Já no meu caso 
    Eu não quis entrar na fila 
    Fiz meu curso na Socila 
    Lá na porta do Bonfim

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Um novo dia

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Um novo dia vem nascendo 
    Um novo sol já vai raiar 
    Parece a vida, rompendo em luz 
    E que nos convida a amar 

    Oh, meu irmão, não desespera 
    Espera a luz acontecer 
    Para que a vida renasça em paz 
    Nesse novo amanhecer 

    Surgem as abelhas em zoeira a sugar o mel das flores gentis 
    Param as ovelhas pelo monte, a recordar os horizontes felizes 
    Vindo à distância cantam galos em longínquos intervalos de sons 
    Pombos revoando, vão uivando, vão passando nestes céus tão azuis 

    Ah, quanta cor e luz! 

    E o movimento vai crescendo 
    Vai aumentando em amplidão 
    Parece a vida pulsar no ar 
    O bater de um coração 

    Sobem pregões vindos da praça 
    Começa o povo a aparecer 

    Quem quer comprar neste novo dia 
    A alegria de viver?

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Além do tempo

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Esse amor sem fim, onde andará? 
    Que eu busco tanto e nunca está 
    E não me sai do pensamento 
    Sempre, sempre longe 

    Esse amor tão lindo que se esconde 
    Nos confins do não sei onde 
    Vive em mim além do tempo 
    Longe, longe, onde? 

    Por que não me surges nessa hora 
    Como um sol 
    Como o sol no mar 
    Quando vem a aurora 

    Esse amor que o amor me prometeu 
    E que até hoje não me deu 
    Por que não está ao lado meu? 

    Esse amor sem fim, onde andará? 
    Esse amor, meu amor, 
    Onde andará?

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Decididamente

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Decididamente, eu não sou gente. 
    Eu sou um ente incompetente, mal-acabado 
    Eu, infelizmente, não consigo sequer ser um mendingo 
    Dá tudo errado 
    Deus, quando me fez, devia estar muito invocado 
    Ganhou o campeonato de fazer nego sofrer 
    Urubu pousou na minha sorte 
    Eu nasci pra boi de corte 
    Deu cupim no meu viver 

    Sábado passado, quando eu vinha 
    Uma zinha "da pontinha" 
    Fez uma linda carinha para mim 
    Eu, aí, peguei minha pessoa 
    E fui andando para a boa 
    Na esperança de um domingo menos ruim 

    Pois, amigo, que é que você acha 
    Vou e levo uma "bolacha" 
    De um frajola que eu não sei de onde surgiu 
    E que, além de tudo, não contente 
    Me mandou apenasmente 

    Quando você está mesmo sem sorte 
    Nem a vida e nem a morte 
    Querem nada de saber de você, não 
    Você pode estar morto, defunto 
    E vêm os vermes todos juntos 
    Lhe pedir pra não seguir a refeição 

    Chega o dia e a vida está tão chata 
    Que você pega e se mata 
    Dá um tiro que parece de canhão 
    Mas a sua sorte é tão ingrata que ele sai pela culatra 
    Com licença da expressão

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • Pobre de mim

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Pobre de mim 
    Sonho tanto em ser alguém que não sou 
    Por exemplo, uma mulher toda assim 
    Feito a Marilyn Monroe 

    Já eu, enfim 
    Não inspiro um grande amor a ninguém 
    Na verdade, se eu pareço com alguém 
    É o Popeye, the sailorman 
    Que mau destino 
    Não aguento este meu ar de menino 
    Quem me dera casar com um grã-fino 
    Ou com um rei, por que não? 

    Eu não sei a ligação 
    Eu só sei que dava tudo de mim 
    Para ao menos paracer Marilyn 
    E viver um grande amor

    Tonga Editora Musical LTDA 
  • João não tem de quê

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Se eu me chamo assim 
    É porque sempre fui educado 
    A quem me diz "obrigado" 
    Eu digo "não tem de quê" 
    Sou um mendigo mais cortês 
    Que qualquer diplomado 
    Sou um aristocrata 
    E só bebo escocês 
    E o que eu retiro da féria 
    Na arte de mendigar 
    É pra sair da miséria 
    Curtindo um bom caviar 

    Nossa nobre profissão 
    Tem por obrigação nos dar muito lazer 
    Basta estender a mão 

    Por isso eu digo a você 
    Que me pergunta a razão 
    Por que o amigo João 
    Se chama "Não tem de quê" 
    Se assim me chamo é porque 
    Eu sempre fui educado 
    A quem me diz "obrigado" 
    Eu digo "não tem de quê"
  • Cara-de-pau

    Vinicius de Moraes, Edu Lobo

    Pega aquela muleta! 
    Pule como perneta! 
    E onde é que está sua perna de pau? 
    Chega dessa corcova 
    Ponha uma bossa nova 
    E atarracha uma cara de pau 
    E por todo o caminho 
    Vá naquele passinho 
    Devagarinho 
    Bem de mansinho 
    Devagarinho 
    Bem de mansinho 

    Pregue a orelha na boca 
    Faça cara de louca 
    Elimine dois dedos da mão 
    Ponha um olho de vidro 
    E um pé dentro do ouvido 
    Fique sempre a três palmos do chão 
    E a mão estendida 
    É uma boa pedida 
    Grande pedida! 
    Boa pedida! 
    Grande pedida! 
    Boa pedida!

    Tonga Editora Musical LTDA