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A propósito de Os mortos falam, com Boris Karloff, e A máscara de fogo, com Peter Lorre

A Manhã , 12 of Septiembre of 1941

O macabro sempre foi, na arte, em especial na música e na literatura, grande assunto para certas evasões mórbidas, certos impulsos do artista na sua ânsia de revelar o desconhecido. Foi, porém, o cinema, a meio caminho entre a música e a literatura - visto que ele pode ser tão bem uma música como uma literatura de imagens, ou mesmo ambas - , que, sem embargo, ofereceu o melhor campo à consecução do tenebroso. A possibilidade de ver, mais que ler ou ouvir, veio a dilatar de muito as fronteiras do mundo onde Edgar Poe deu largas ao seu funambulesco patos matemático. Com Poe, mais que com Hoffmann, o fantástico teve o seu lugar à parte na literatura, e a exatidão neurótica com que o contista do "Black Cat" enredava no escuro as teias da sua fobia ficou sendo o sistema, a estética mesma do gênero. Seus seguidores, e foram todos; não fugiram aos símbolos, aos valores em que Poe sublimou o mistério: o corvo, a múmia, o vampiro, o robô, o gato preto, a casa sinistra, o navio-fantasma, e daí para os cemitérios noturnos, os enterrados vivos, os prisioneiros das catacumbas, e o mais. As ciências esotéricas e as ciências médicas firmaram um pacto da morte nessa peregrinação ao além-túmulo. A meia-noite era a hora; os espectros vinham das tumbas conversar com os estranhos cientistas às voltas com cadáveres, entre complicadas retortas, nos subterrâneos de alguma casa abandonada. O vento -esse técnico mudo dos ruídos misteriosos - batia janelas, estalava vigamentos, zumbia na copa dos pinheiros sepulcrais. Entre relâmpagos surgiam guarda-matas necrófilos, violadores de sepulturas; vampiros que arrancavam virgens, gritando lancinantemente, do branco recato de suas alcovas; tudo, enfim, para nos apavorar as noites, nos levar da banalidade da vida aos reinos desoladores da morte presente.
 
Nisto foi ditadora a escola dita expressionista alemã, que realizou algumas das mais belas produções do cinema mudo. A Decia Bioskop reunia os nomes de Robert Wiene, o notável empreendedor do Caligari, Cesar Klen, cujo cenário de Genuíno infelizmente nunca vimos, culminando com Fritz Lang, cujo Doutor Mabuse marca um tento na história do cinema. Werner Krauss e Conrad Veidt eram os atores macabros do momento. As fábricas criavam-se quase exclusivamente para o gênero. Murnau, o grande F.W. Murnau, teve no seu Nosferatu, em 1922, Um dos maiores clássicos desse saudoso tempo da arte, realmente o primeiro Drácula do cinema, realização excelente que tive oportunidade de rever há três anos e que em nada desmereceu a cotação em que a tinha. Paul Wegener, Von Gerlach, Henrik Galeen, Artur Robinson, o russo Constantin Eggert, o francês Jean Epstein deixaram seus nomes assinados em trabalhos que ficaram definitivamente para a filmoteca do futuro. 

Mais tarde o gênero sofreu um desenvolvimento que por um lado lhe prejudicou a legenda. Introduziram-lhe variantes de aventura. Impuseram-lhe a predominância ao científico. Ainda assim ótimos filmes apareceram, fiéis ao espírito da escola, onde havia instantes do melhor cinema. Em O vampiro de Düsseldorf, a realidade se unia ao macabro com uma força poucas vezes ultrapassada. O primeiro Frankenstein, com Karloff, teve uma das mais belas cenas que já vi em cinema, quando o monstro, após confraternizar com a menininha, à beira do rio, põe-se a imitá-la, jogando folhas secas na água, para logo jogar a menininha dentro d'água também, como se ela também fosse uma folha. O processo de associação, poético e cinematográfico, realizou-o o diretor com uma beleza e uma felicidade raras. 

Karloff, que fez Frankenstein, e Peter Lorre, que fez O vampiro de Düsseldorf, compareceram esta semana com dois filmes, todos dois visíveis, sendo que o de Peter Lorre tem cinema. Dirigiu-o Robert Florey, tratando o tema com a delicadeza que lhe é habitual. A história não é o fundamental no filme. O que o faz às vezes belo é a sua estranheza, a qualidade eventual da sua imagem, em bom claro-escuro, e uma certa liberdade em relação ao falado, meu Deus!, que deixa a gente tão agradecido ao diretor. Aqui não se trata propriamente do macabro. Mas o filme tende fortemente ao gênero, para que o possamos incluir nesta crônica. Bom trabalho de Peter Lorre, que andava abaixo da crítica, excelente o de Evelyn Keyes, uma atrizinha como eu gosto, e parabéns à Columbia. George Stone aparece numa boa ponta, como o amigo de Peter Lorre. Não é a primeira, aliás. George Stone, bem dirigido, daria um tipo definitivo em cinema. Nessa época goldwyniana, um filme assim é um bom exemplo. Mas ninguém se resolve a mostrar a face behind the mask...