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A primeira namorada

Rio de Janeiro , 2004

Tu me beijaste, Coisa Triste 
Justo durante a elevação 
Depois, impávida, partiste 
A receber a comunhão. 
Tinhas apenas seis ou sete 
E isso ou pouco mais eu tinha 
E tinha mais: tinhas topete! 
- Por que partiste, Coisa Minha? 

Foi numa missa da matriz 
De Botafogo. Eu disse: "Cruz! 
Como é que ela vai agora 
Comer o corpo de Jesus..." 
Mas tu fizeste, Coisa Linda 
Sem a menor hipocrisia 
É que eu nem suspeitava ainda 
Da tua santropofagia... 

Porque nas classes do colégio 
Onde a meu lado te sentavas 
Tornou-se diário o sacrilégio 
Durante as preces: me buscavas. 
E o olho cândido na mestra 
Que iniciava a aula depois 
Acompanhavas a palestra 
Cuidando apenas de nós dois. 

Mais tarde a gente revezava 
E eu procurava tua calcinha 
E longamente acariciava 
Tua coisinha, Coisa Minha. 
Nós ficávamos sérios, sérios 
A face rubra mas atenta 
- A vida tem tantos mistérios… 
Tem ou não tem, Coisa Sardenta? 

Depois casei, não com ela... 
Mas com meu segundo amor 
A mãe de Susana, a bela 
E de Pedro, o mergulhador 
Morávamos bem ali 
Junto à ladeira sombria 
Era tanta a poesia 
Que quase, quase morri. 

As mulheres vinham ver-nos 
No nosso ninho de amor 
Morte na mira de Vênus 
Oxum querendo Xangô 
E eu, embora só cuidasse 
De amar-te (vê se conferes!) 
Era um pobre Lovelace... 
Não resistia às mulheres. 

Mas foste (e fui) tão feliz 
Nos nossos grandes momentos 
Que não lamento o que fiz 
Nem tenho arrependimentos. 
Deste-me dois filhos lindos 
E todo o amor que tens: eu 
Embora às vezes mentindo 
Nunca dava o que era só teu.