backPoetry

A legião dos Úrias

Rio de Janeiro , 1935

Quando a meia-noite surge nas estradas vertiginosas das montanhas 
Uns após outros, beirando os grotões enluarados sobre cavalos lívidos 
Passam olhos brilhantes de rostos invisíveis na noite 
Que fixam o vento gelado sem estremecimento. 

São os prisioneiros da Lua. Às vezes, se a tempestade 
Apaga no céu a languidez imóvel da grande princesa 
Dizem os camponeses ouvir os uivos tétricos e distantes 
Dos Cavaleiros Úrias que pingam sangue das partes amaldiçoadas. 

São os escravos da Lua. Vieram também de ventres brancos e puros 
Tiveram também olhos azuis e cachos louros sobre a fronte... 
Mas um dia a grande princesa os fez enlouquecidos, e eles foram escurecendo 
Em muitos ventres que eram também brancos mas que eram impuros. 

E desde então nas noites claras eles aparecem 
Sobre cavalos lívidos que conhecem todos os caminhos 
E vão pelas fazendas arrancando o sexo das meninas e das mães sozinhas 
E das éguas e das vacas que dormem afastadas dos machos fortes. 

Aos olhos das velhas paralíticas murchadas que esperam a morte noturna 
Eles descobrem solenemente as netas e as filhas deliqüescentes 
E com garras fortes arrancam do último pano os nervos flácidos e abertos 
Que em suas unhas agudas vivem ainda longas palpitações de sangue. 

Depois amontoam a presa sangrenta sob a luz pálida da deusa 
E acendem fogueiras brancas de onde se erguem chamas desconhecidas e fumos 
Que vão ferir as narinas trêmulas dos adolescentes adormecidos 
Que acordam inquietos nas cidades sentindo náuseas e convulsões mornas. 

E então, após colherem as vibrações de leitos fremindo distantes 
E os rinchos de animais seminando no solo endurecido 
Eles erguem cantos à grande princesa crispada no alto 
E voltam silenciosos para as regiões selvagens onde vagam. 

Volta a Legião dos Úrias pelos caminhos enluarados 
Uns após outros, somente os olhos, negros sobre cavalos lívidos 
Deles foge o abutre que conhece todas as carniças 
E a hiena que já provou de todos os cadáveres. 

São eles que deixam dentro do espaço emocionado 
O estranho fluido todo feito de plácidas lembranças 
Que traz às donzelas imagens suaves de outras donzelas. 
E traz aos meninos figuras formosas de outros meninos. 

São eles que fazem penetrar nos lares adormecidos 
Onde o novilúnio tomba como um olhar desatinado 
O incenso perturbador das rubras vísceras queimadas 
Que traz à irmã o corpo mais forte da outra irmã. 

São eles que abrem os olhos inexperientes e inquietos 
Das crianças apenas lançadas no regaço do mundo 
Para o sangue misterioso esquecido em panos amontoados 
Onde ainda brilha o rubro olhar implacável da grande princesa. 

Não há anátema para a Legião dos Cavaleiros Úrias 
Passa o inevitável onde passam os Cavaleiros Úrias 
Por que a fatalidade dos Cavaleiros Úrias? 
Por que, por que os Cavaleiros Úrias? 

Oh, se a tempestade boiasse eternamente no céu trágico 
Oh, se fossem apagados os raios da louca estéril 
Oh, se o sangue pingado do desespero dos Cavaleiros Úrias 
Afogasse toda a região amaldiçoada! 

Seria talvez belo - seria apenas o sofrimento do amor puro 
Seria o pranto correndo dos olhos de todos os jovens 
Mas a Legião dos Úrias está espiando a altura imóvel 
Fechai as portas, fechai as janelas, fechai-vos meninas! 

Eles virão, uns após outros, os olhos brilhando no escuro 
Fixando a lua gelada sem estremecimento 
Chegarão os Úrias, beirando os grotões enluarados sobre cavalos lívidos 
Quando a meia-noite surgir nas estradas vertiginosas das montanhas.