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A XIII Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza (Dois mil filmes durante...)

Última Hora , 30 of September of 1952

Dois mil filmes durante vinte anos de festivais - películas de quarenta paises já desfilaram na tela do palácio - bênção para o festival brasileiro de 54 - força que levanta o moral do cinema europeu - jogo de interesses, mas também vigilância no que respeita à qualidade da produção - uma salada. 


Lido de Veneza - O XIII Festival de Cinema de Veneza festejou seu encerramento com uma vasta ceia nos grandes salões do Palazzo del Cinema, onde se comeu boa galinha, bebeu-se um champagne razoável e ouviu-se falar o Sindaco di Venezia; a verdade é que o XIII Festival acabou de completar vinte anos. A disparidade entre as duas cifras explica-se com o seu fechamento durante os anos de guerra. 

Vinte anos. Quase maioridade. Esses quatro lustros dão à Mostra Veneziana uma tradição que a torna mais respeitável com relação aos outros Festivais. Uma tradição e um certo nhê-nhê-nhê de gente velha. Veneza olha com olhos velados os demais certames internacionais do gênero. A impressão que se tem é de que ela gostaria de ser absoluta, como o foi de 1932 até a guerra. E a gente é forçado, até certo ponto, a compreender o chauvinismo de Veneza. Foi seu Festival que fez história, que primeiro lutou pela inclusão da décima musa no cenáculo da Bienal, que convidou Louis Lumière para o seu Comitê de Honra, que enfrentou as maiores críticas, que fez o nome de alguns grandes cineastas, que assinalou um marco novo no cinema: o filme colorido, que abriu o caminho, enfim. Em vinte anos, filmes de quarenta países desfilaram pelas telas do seu Palácio: homens de cinema se conheceram, tornaram-se amigos e inimigos. Até 1950, 2 mil filmes haviam competido na Mostra; e a cifra é bastante digna, se pensarmos que ela representa o que de melhor se produziu em todos esses anos. 

Veneza é merecedora de todo o nosso respeito, não seja essa a dúvida. Mas por mais que simpatizemos com o seu magnífico isolamento, temos que constatar que os Festivais de Cinema, como os indivíduos, não podem viver sozinhos porque são parte da sociedade, porque vivem da sociedade. Assim é que pedimos respeitosamente a bênção de Veneza para o Festival Brasileiro de 1954. 



RECOMENDAÇÕES 

Aliás, o doutor Antonio Petrucci, diretor da Mostra, compreende bem isso, e simpatiza com a iniciativa brasileira. O que, no entanto, é claro é que o aumento de número dos Festivais internacionais tem ocasionado a baixa do nível de qualidade dos dois mais importantes (Veneza e Cannes), e foi nesse sentido que a fortíssima Federação das Associações Internacionais de Produtores de Filmes (FIAPF) fez em suas últimas reuniões algumas recomendações que terão de ser ouvidas porque, afinal de contas, é ela quem dá as cartas. Essas recomendações foram distribuídas aos jornalistas presentes a Veneza e dizem mais ou menos que Veneza e Cannes é que devem ser os dois únicos Festivais oficialmente reconhecidos como tais, que a distribuição de prêmios deve ser feita alternativamente entre ambos, um ano para cada um; que o seu tempo de duração deve ser reduzido, bem como o número de sessões; e finalmente que a Federação olhará com simpatia as propostas dos outros países para iniciativas similares desde que possam provar ter uma indústria cinematográfica quantitativa e qualitativamente capaz de justificar a proposta, e desde que se comprometam a não manter qualquer caráter de competição ou de atribuição de prêmios, oficial ou particular. 



INTERESSES EM JOGO 

O leitor perguntará se não é estranho que os produtores não estejam interessados em Festivais de Cinema, que hoje em dia representam, posto que de modo precário, a balança internacional de qualidade da produção cinematográfica.
 
Que é estranho é, mas o diabo é que os interesses em jogo são muitos e diversos. Os festivais na Europa (apesar de prêmios constantes dados a filmes de Hollywood) têm servido de muito para levantar o moral internacional do cinema europeu, sobretudo o francês e o italiano, e conseqüentemente desviar para seus filmes grandes rendas de bilheteria e estimular-lhes a produção. Ora, isso não interessa especialmente a Hollywood. Por outro lado, a competição aos prêmios, mesmo a inter-européia, tem criado sérias desavenças no seio mesmo dos Festivais. Por outro lado, o novo sistema de co-produção, ativo sobretudo entre a França e a Itália, freqüentemente dificulta o critério de julgamento e cria fofoquinhas locais, por isso que a igualdade aparente de crédito vai ver mesmo não corresponde aos interesses comerciais investidos na produção. Enfim uma salada, se me permitem o eufemismo. 

Daí a tendência da FIAPF para limitar a atribuição de prêmios apenas a Veneza e Cannes, e assim mesmo alternadamente. Prêmios - e o seu anúncio nos cartazes de publicidade dos filmes premiados deslocam para as películas agraciadas largos contigentes de público. Os produtores em geral não querem saber disso não, porque o fato é que a indústria não se alimenta de qualidade, mas facilidade. Porque, seja como for, os Festivais de Cinema exercem uma vigilância. Há sempre muitos críticos presentes, sendo que alguns incorruptíveis. Uma quantidade enorme de jornais comparece. Tudo isso cala na opinião pública.