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A morte em Hollywood

Última Hora , 5 of September of 1951


Há em Hollywood, desde velhos tempos, a superstição de que quando morre um ator, dois se lhe seguem. Três são sempre os que devem morrer, e uma série de coincidências têm ajudado a manter viva a idéia.
 
Com a morte, agora, do ator Robert Walker - que eu vi tantas vezes embriagado no Ciro com um ar inocente e um sorriso íntimo a lhe brincar no rosto juvenil - a quem mais, luzindo no céu hollywoodiano, caberá receber a visita da Dama Branca? Frank Sinatra, que, desesperado de amor, dizem ter tomado uma dose maior de sedativo, renasceu do seu coma para a visão da bela e fatal que o tem preso. Escapou Sinatra ao número fatídico, para maior prestígio de Ava Gardner e delícia de seus fãs, que são legião: mas que outros estarão à espera - os alcoólatras inveterados, os frustrados sem remédio, os toxicômanos, os spleenéticos que a noite revela sentados nos banquinhos dos bares escuros, atores famosos de antigos idos, bebendo para esquecer ou se dedicando à conquista fácil das mulheres louras que pousam noturnamente nessas tétricas cantinas.
 
Talvez o ator Dan Dailey, que foi para um sanatório e, curado, voltará para o prestígio inútil das luzes de Sunset Strip, distribuirá autógrafos às bobby soxers postadas à porta dos night-clubs - um homem com uma expressão extraordinariamente simpática, um rosto sensível cortado de rugas fundas onde se lê a maior caceteação da vida. Quem sabe o ator Jack Cakie, que eu vi certa madrugada caído na rua, e parei o automóvel junto dele e lhe perguntei: "Posso fazer alguma coisa pelo sr.?" e o vi gritar para mim como um possesso, apertando as têmporas: "Leave me alone! Leave me alone!" ("Deixe-me em paz! Deixe-me em paz!"). 

Não importa quem seja, a todos eles caberá um último grande papel a representar nessa tragicomédia que é a morte em Hollywood. Quem já leu o sinistro The Loved One, do romancista inglês Evelyb Waughn, sabe bem a que me refiro. Serão eles maquilados, como sempre o foram em vida - mas desta vez por um mortician - um embelezador mortuário. Terão os lábios pintados, as faces artificialmente coloridas de modo a que não se veja nelas a oitava cor do espectro, a cor da morte. Foi assim que vi Gregg Toland, o grande cameraman, e um dos poucos amigos que fiz, da minha estada em Hollywood - pintado como um boneco, entre flores funerárias. Pois para Hollywood não só a vida, a verdadeira vida, mas a morte também é tida como uma coisa feia.