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Gilberto Souto

Última Hora , 20 of July of 1951

Um dia, quando se escrever a história do cinema brasileiro, há de se dar a Gilberto Souto belo nicho, entre os seus melhores santos. Este carioca que saiu do Brasil com 25 anos e chegou em Hollywood nos primórdios do cinema falado, fazia morrer de inveja a todos os que, como eu, nunca perdiam a leitura semanal de Cinearte, a excelente revista de Pimenta de Melo, dirigida por Ademar Gonzaga, e que revelou o primeiro grande crítico double de cenarista, Paulo Wanderley. Abria-se o semanário e lá estava sempre Gilberto Souto, naquele tempo um rapaz muito magro, de sorriso sempre à mostra ao lado dos maiores artistas da tela. A gente chegava a xingar o patife que se debruçava gentilmente sobre absurdos de beleza como Jean Harlow, Carole Lombard, Joan Crawford e tantas outras - as duas primeiras aliás falecidas, tadinhas, ambas formosas qual se a própria mão divina... 

A primeira vez que eu vi Gilberto Souto, ele estava prestes a vir ao Brasil, para visitar a família e matar saudades. Fazia então 16 anos que esse pioneiro dos cronistas estrangeiros em Hollywood não punha o pé no torrão natal - e no rápido bate-papo que tive com ele em minha casa, ele modesto e simples como sempre sabe ser, eu cem por cento fã seu, confesso que fiquei numa bruta curiosidade para saber que é que ele iria achar do Brasil depois de tanto tempo. 

Como se sabe, essa visita foi um verdadeiro estalo de Vieira. Gilberto Souto voltou um outro homem, emocionadíssimo com a pátria, e possuído de uma das maiores dores-de-cotovelo que já me foi dado ver. Nossa amizade cresceu muito daí, e ela me foi de auxílio inestimável nos cinco longos anos de minha ausência. Juntávamo-nos, em geral, em minha casa, às vezes em casa de Carmen Miranda, ou de Aloísio de Oliveira, ou de José Carioca, e o principal motivo da nossa conversa era sempre o Brasil, como que para encurtar tempo do regresso. 

Desde essa ocasião Gilberto Souto nem pestaneja quando seu amigo e chefe Walt Disney - em cujos estúdios ele tem o importante cargo de encarregado da publicidade para o estrangeiro - lhe pede para dar uma pernada até o Brasil e fazer uma dublagenzinha - como já aconteceu com A gata borralheira, e agora Alice no País das Maravilhas, que ele está terminando, com a ajuda de João de Barros, nos estúdios da Continental. 

Gilberto Souto é um Pato Donald danado. Resmunga feito a peste. Homem ordenado e responsável como é, às vezes só falta arrancar os cabelos com a displicência, a impontualidade, a falta de método do pessoal, para trabalhar por aqui. Fica doido, mas a verdade é que adora. À socapa confessa que já não pode viver sem isso. Acha uma grande graça nas coisas, ao mesmo tempo que se desespera, adquire alergias. Admira tudo, perde o sono, dá passeios a Niterói e toma café sem parar. 

Eu tive oportunidade de dar-lhe uma demão em suas duas últimas dublagens, traduzindo umas canções para o português e uma coisa e outra. Agora, prestes a voltar para os Estados Unidos - mas ele há de voltar! -, Gilberto Souto me confessa que já está adquirindo um verdadeiro medo aos gatos, como se fosse a todos os instantes ouvir a Cheshire Cat da imortal história de Lewis Carrol lhe dizer ao ouvido: "Oh, não há nada a fazer... Todo o mundo aqui é louco mesmo.".