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Exibição do filme brasileiro Limite de Mário Peixoto

A Manhã , 30 of July of 1942

A reunião efetuada anteontem não pôde, infelizmente, ser noticiada a tempo, porquanto - obra da minha obstinada teimosia em querer, Welles visse Limite antes de voltar para os EUA - aconteceu como um milagre. Antes, tudo houvera contra. Domingo mesmo, quando andei amolando Deus e todo mundo em cata de uma cabine, sabendo que Orson Welles tinha a tarde livre (que o diga esse paciente e caro Assis Figueiredo), não houve jeito. Não consegui encontrar operador. Mas não desisti. Orson Welles, esse, desistiu de há muito: "There's something about this film…", disse-me ele, elevando a voz naquela palavra, com um tom desanimado. 

No entanto arranquei-lhe a promessa de me dar a noite de terça-feira, quando não fosse, para uma sessão com debate. Só para ele ver como era. E anteontem, após articulações com o Serviço de Divulgação, e com Mário Peixoto, a coisa conseguiu se arranjar. Em seu coquetel do Glória anunciei a Welles que veria Limite. Ele arregalou os olhos: 

- Gosh! I hardly believe it. 

Perdoem-me os não avisados, mas não pude telefonar senão para alguns amigos. É que eu estava doente, de cama, e foi um sacrifício - espontâneo, é claro - levantar-me e tomar todas essas providências. Enfim, às nove horas da noite a salinha do Serviço de Divulgação enchia-se com umas trinta pessoas, entre as quais Maria Rosa Oliver, a escritora argentina, diretora de Sur, que se acha entre nós, e que é uma das mulheres mais inteligentes que já encontrei; mme. Falconetti, a inesquecível Joana d'Arc de Dreyer; Frederick Fuller, o grande cantor inglês, e sua senhora; Fernando la Guarda, o conselheiro da embaixada do México; Carlos Guinle e senhora; Otto Maria Carpeaux; o cinegrafista húngaro Fantos; e outros amigos cujos nomes já têm ilustrado essa coluna, como fiéis freqüentadores das minhas pequenas sessões. 

Disse duas palavras sobre Limite, dado em homenagem especial a Orson Welles, que por essas horas deve estar na Argentina, acentuando dois ou três detalhes históricos da sua realização. Com a colaboração de Brutus Pedreira, que teve a bondade de se encarregar do roteiro musical do filme, e Edgar Brasil, o notável cameraman de Limite, e a exibição transcorreu perfeita, graças à boa vontade do professor Maciel Pinheiro, que conseguiu arranjar dois projetores, a fim de que a continuidade do filme não sofresse nenhuma solução. 

Posso assegurar que, uma vez as luzes acesas, senti a grande impressão que o filme tinha feito em todos. Orson Welles deu-me particularmente sua opinião, que foi a melhor. E pude ver-lhe a sinceridade do que dizia nos olhos. Carpeaux soprou-me ao ouvido: "Mas é poesia pura..." Maria Rosa Oliver não me escondeu sua admiração pela fotografia magnífica e pela grande pureza cinematográfica da sucessão. Frederick Fuller estava assombrado. Tinha visto um dos maiores filmes da história do cinema. É preciso dizer mais para acentuar ao grande público a necessidade de se desculpar... publicamente do seu descaso em relação a Limite indo vê-lo como convém na grande exibição que breve vamos promover no Metro Passeio? 

Não creio. Tenho certeza que o público brasileiro pode, se quiser, entender Limite. É uma questão de boa vontade e movimento para a arte. Arte silenciosa, é bom frisar...