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Eisenstein e a teoria do cinema

- , 1 of February of 1941

O cinema, em sua natureza incipiente (inceptual), é um meio de comunicação progressista e marcha com o tempo. No que se desenvolve, a sua tendência é para se tornar cada vez mais intensivo. O caminho que segue é oposto ao do teatro, que é um meio de comunicação intensivo tendendo para uma marcha progressiva. Há pontos em que os dois se encontram, onde seria difícil discernir entre o cinemático e o teátrico. Existe, porém, um máximo que nem o intensivismo do cinema nem o progressivo do teatro podem ultrapassar. No cinema é o ponto além do qual o constante de progressão passa a ser dissipado; no teatro, o ponto além do qual o constante de intensividade é esmagado. No cinema mudo, Joana d'Arc é o máximo de intensividade, e como a sua natureza intensiva foi respeitada dentro da progressão, é cinema, e não fotografia, como o consideraram observadores incompetentes. No teatro, DSE de Meierhold excede o máximo de progressão, se afasta da esfera do teatro, mas, por não ser realizado dentro da esfera do teatro cujo constante é a progressão, não alcança nenhuma outra arte. 

A experiência de Eisenstein no drama foi adquirida com Meierhold, o diretor que mais largamente "cinematizou" o teatro. Não é surpreendente, portanto, que a natureza afirmativa de Eisenstein o tenha levado para a esfera do cinema. Ao transpor esses portais, ele cria que estava seguindo uma "dialética" de arte, uma esfera de um sistema planetário - o drama - e "negando" a outra. Meierhold censurou-o, e com razão, pelo seu absolutismo, pois a dialética da arte é socialmente comprometida (involved), e Eisenstein estava omitindo a habilidade de uma sociedade nova em reavivar uma esfera exausta. Em outros termos, Eisenstein estava esquecendo o estímulo de uma audiência vivaz. 

O absolutismo de suas próprias ações e reações constitui o corpo, dos escritos teóricos de Eisenstein, "excêntricos e fragmentários". Na prática, sua atividade e persistência capacitaram-no a compreender a estatura de um acontecimento e reproduzir sugestivamente suas configurações. Em extensão, essa proeza tornou possível a Eisenstein seguir até o extremo a prática de montagem. Para compreender a estatura (seize) e reproduzir configurações é necessário um sentido aguçado de quantidade, e Eisenstein, como o indicou Anisimov, é um artista no sentido quantitativo, o que antes de tudo o tornaria um engenheiro. É por isso que Eisenstein é verdadeiramente um diretor de diretores. Ele é quem tem marcado o passo para o cinema em geral, e o russo em particular. A luta contra a "estética formal" no filme russo é em grande parte a luta contra a influência de Eisenstein. Da parte dos desafiadores a luta atingiu uma posição em que é necessário enfrentar o perigo de uma vitória pírrica. Os diretores mais novos, no seu zelo em negar o domínio de "externos ", estão arriscando perder lições de organização aprendidas nas obras disciplinadas porém prodigiosas de Eisenstein. Afinal de contas, Eisenstein, com o seu colossalismo e seus contornos inespecificados, estava servindo o progresso do cinema dentro e fora da Rússia, ampliando sua imagem, realçando sua sintaxe, dissolvendo as barreiras de literalismo. Ao fazer essas coisas ele, mais do que qualquer outro indivíduo, voltou o cinema novamente para a relação, para a constituição da arte. 

A relação da arte é abrangida nestes três erres: registro, restauração, revelação. O ideal de cinema de Eisenstein tem sido a síntese do documentário, do abstrato e do dramático. De todos os seus filmes, Os dez dias que abalaram o mundo é o que se aproxima mais desse ideal. Para compreender, porém, o subseqüente desenvolvimento de Eisenstein como diretor e teorista, é preciso examinar seu segundo filme, Couraçado Potemkin, e a avaliação que o próprio Eisenstein fez do filme. Couraçado Potemkin tem sido considerado o filme perfeito, e com razão, se encarado na sua categoria própria de ataque frontal. O filme ampliou essa categoria elementar perturbando a habitual progressão geométrica com uma variação no metro. Isso foi obtido pela construção do ponto de vista da própria imagem impressa. Até então o filme dramático passava através os estágios da câmera. Primeiro foi a câmera circunscrita, quando, por assim dizer, não existia o ponto de vista da direção. O ator era um "macaco aplicado" and that was the sole consciousness. Mais tarde foi inventada a câmera ambulante. Entre a câmera rígida e a totalmente móvel surgiu a panorâmica; o cinema era uma arte em seu instrumento inicial. A câmera era o "alambique da inteligência cinematográfica". Enquanto isso, naturalmente a continuidade também se desenvolvia. A continuidade pode ser considerada a antecipação da montage. O desenvolvimento da câmera de passiva a ativa alcançou um período em que ela foi rainha. Filmes eram concebidos "em câmera". O domínio de uma arte pelo seu instrumento, que efetua mas que não está contido na obra finda, pode tornar-se um peso oprimente para a arte. Os diretores soviéticos puseram a câmera em seu lugar como instrumento, e eles mesmos começaram a dar excessiva ênfase a um método. 

Na expressão primitiva (pré-arte) predomina esse fenômeno de desorganização. A causa determinante do filme primitivo é a ação, realizada em velocidade e ridículo. No filme intrínseco o fenômeno é organizado como ritmo e realizado em tempo e pattern. No filme de ataque frontal, até então lígado ao primitivismo, Eisenstein construiu ritmo, enfaticamente nascido pela construção efeito-causa-efeito e intensidade concêntrica do massacre nas escadarias de Odessa. Ao construir mais do que apenas relatar o ataque, Couraçado Potemkin realizou uma perfeição de poderosas massas de superfície, realizou o perfeito "cartaz", como assim o chamou o próprio Eisenstein. O filme permanece de ataque frontal porque foi concebido naquele nível; daí a sua perfeição, daí a sua insuficiência. Não é o acontecimento histórico mas apenas o único episódio físico, a "rápida descarga emotiva". Talvez só ulteriormente tenha ocorrido a Eisenstein designar o filme como "cartaz" para desarmar a crítica das suas deficiências filosóficas. Não é a primeira vez que se nota o aspecto pós-fato das especulações e publicações de Eisenstein. Sua teoria é freqüentemente uma racionalização não só da prática como do seu temperamento. O resultado habitual são os absolutos. 

Um intelectual, ele proclamou a massa como herói. Não foi o único a fazê-lo, mas a proclamação era-lhe pessoal, e fez dessa personalidade lei. Para ele, o ator profissional era indesejável. Felizmente, o que Eisenstein expressou como uma lei, outros, como Pudovkin, reduziram a um princípio, o princípio da seleção documentária, profissional ou não, a pronunciação enfática de tipo. O legalismo do documentário-massa aguçou o já intensificado editing. Um extremo coincide com outro. Se é para se depositar pouca confiança no dígito, se ele é para ser neutro, então deve ser reforçado, ativado por uma vontade externa. Além disso, se representar é censurável, a representação não deve ser permitida ao ator. Deve ele, portanto, limitar-se a uma fisionomia ou uma atitude, e essas não devem exceder seu comprimento pictórico: o princípio do "laconismo". Desse modo a montagem como interferência sugestiva é ainda mais intensificada na prática, e em teoria torna-se "o princípio básico, imorredouro e vital". Torna-se tout-cinéma. 

Eisenstein dividiu a montagem, tanto como uma descrição da seqüência histórica do cinema como dos níveis contemporários de cinema, em quatro "métodos": métrico, rítmico, tonal, overtone. O filme métrico é "a força rude da ação motiva", determinada unicamente pela simples progressão aritmética ou geométrica, efetuado pela medida de tempo invariável. É um embate positivo, rudimentar. Não é portanto o termo "montagem métrica" uma contradição? O detalhe rítmico é a brecha na simples progressão para salientar o conteúdo, a impressão de uma determinada cena componente. Ritmo é o patterning do detalhe rítmico em acordo com a distribuição do conteúdo. A "montagem rítmica" é pois na realidade uma redundância. 

A montagem é iniciada no processo associativo. Disse Hans Richter, experimentalista alemão: "A formação consciente de associações é uma das mais importantes possibilidades da montage. (...) Cada espécie de combinação de imagens sucessivas evoca reações peculiares e mesmo poderosas. Cada combinação produz seu efeito próprio, e uma aparente mudança ligeira na combinação pode causar uma reação psicológica totalmente oposta ( ... ) abaixo da associação devem-se conceber três divisões: relações formais, rítmicas e de conteúdo." A severidade do aforismo está de acordo com a fundamental montage overtone de Eisenstein, e com o seu "cálculo coletivo de todos os apelos da peça. É uma "síntese" tirada da "montagem tonal". Nessa última ordem os valores não são os de editing mas de qualidades penetrantes - tons de luz, composição gráfica etc. Não é pois a "montage tonal" uma malversação e a "montage overtone" uma usurpação? A montagem é simplesmente editing intensivo, e a concepção que dela tem Eisenstein, sua concepção de uma montagem superior, é o máximo de editing intensivo. Kuleshow, cujo editing associativo Eisenstein ridiculariza, e Pudovkin, a quem Eisenstein confrontou com uma teoria de "montage-conflito", fizeram contribuições para a construção cinematográfica que não deixam de estar ligadas ao contraste-e-conjunção de Eisenstein. Eisenstein faria objeção à premissa de associação no estatuto de Richter. No entanto, sua própria obra é um desenvolvimento da associação, idealmente, em especulação, de percepção a apercepção. Suas especulações, emitidas como despotismos, são explicações fascinantes de um fato que nem explicam o fato, nem fornecem preceitos exatos para serem seguidos por outros. Nesse sentido "seu raciocínio teórico era uma significância negativa". Basear em práticas do filme O velho e o novo uma teoria de montagem de conflitos, que mais tarde encontra extensiva autoridade num truísmo Arte é sempre conflito, que por sua vez encontra autoridade universal na lei da dialética é um transcendentalismo muito afastado da concretividade da dialética. Eisenstein chama essa montagem através de "colisão" e "resolução", "o princípio dinâmico". Anisimov acusou Eisenstein de não pensar dialeticamente; na arrumada pilha de seus "Princípios de forma em filme", Eisenstein tem uma profusão de quase-dialéticas. Anisimov chamou-o de racionalista mecânico. Eisenstein escreve: "Hipertrofia do impulso proposital - o princípio de lógica racional - faz com que a Arte se regele num tecnicalismo matemático." No mesmo manifesto, Eisenstein descreve a montage como "o nervo do Filme". Se se requintar mais essa tese a montage passará a ser a neurose do filme. "Sobretonalidade" é, no sentido mais profundo, não apenas "olfato, aroma", mas o que é transmitido às apercepções, "os centros nervosos mais elevados" do observador. É o resíduo memorável quando a tela está vazia. É a dedução. A "sobretonalidade" pode ser atingida em parte através da montage. Os filmes de Eisenstein, bem afastados da construção literal, são, no entanto, deficientes em aftersense, no qualitativo. Sua montage fornece o peso do conteúdo físico, mas não o significado do social, porque falta a personalidade do acontecimento. Não obstante, é ele o maior mestre vivo da construção, o que, infelizmente, não é o bastante. Em parte alguma dos seus escritos Eisenstein trata do ator humano como o material da experiência. Há apenas uma referência insignificante ao conteúdo (subject-matter) social, e ainda assim à parte das formalidades da prática. Richter sempre mantém à parte as relações formais e de conteúdo, paralelas porém não recíprocas. Para Eisenstein a dialética é continente em metodologia. A dialética é, no entanto, ao mesmo tempo o sujeito e a sua medida, e eliminar o primeiro é cair no abstrato, como acontece freqüentemente a Eisenstein.
 
A abstração e o absolutismo levam ao exagero de índices. Eisenstein é um erudito por meio de leitura desenfreada e assimilação rápida. Muito corretamente ele procura fontes em outras expressões do homem. O cinema é uma arte entre artes e pode aprender com suas colegas. Mas uma fonte não deve exceder sua função instrucional ou corroborativa. Eisenstein, concebendo a montage ideal como um processo "molecular" em que duas "células" independentes, "colocadas em justaposição, explodem num novo conceito", reconhece a linguagem pictográfica como montage. O emprego do termo "explodir" é significativo. "Olho + água = (explode em) chorar". O índice está na separação das duas imagens que, justapostas, produzem uma terceira, um conceito. Eisenstein rejeita como "vulgar" a "descrição" do fenômeno "como uma mistura", porém não é a primeira ligação dos ideogramas associativa, e depois propulsiva? Ampliar o índice numa lei de ótica, partilhando a característica de "superposição" com estereoscopia, é fazer de uma nota explicativa uma enormidade.