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Dois contra a grande cidade

A Manhã , 18 of September of 1941

Confesso a minha surpresa com este filme de Anatole Litvak, ern que não fazia muita fé. Saí do cinema num estado desagradável de emoção, uma emoção que não se relacionava bem com o filme visto, mas com a vida moderna em geral, com os seus novos motivos, com a sua desfiguração, com o seu complexo de culpa, por assim dizer. Deu-me assim uma vontade de evasão, de estar longe, num sossego de mim mesmo; sem lutas para lutar, ausente de qualquer relação com este mundo sombrio em que vivemos.
 
A caminho de escrever esta crônica, no entanto, essa sensação transformou-se numa espécie de mal-estar crítico. Fiquei amolado por ter gostado da fita. Comecei a procurar-lhe desesperadamente os defeitos, as falhas evidentes, a irregularidade do roteiro, e os deslizes da direção. Marquei-os todos, um por um, apenas dando a César o que era de César, certo de que no fim sobraria muito pouco da má vontade propositada em que me colocara contra tudo o que o filme tem de falsificação de valores essenciais, de infiltrações perigosas no sublime, de arbitrário, quer quanto à vida, quer quanto à arte. 

Assim mesmo ficou matéria. Ficou uma certa fraqueza do diretor em mostrar a nu as chagas de uma civilização, compondo um tanto confusamente, diga-se, todos os seus temas específicos numa espécie de sinfonia cinematográfica que tem, aliás, sua equivalente musical da película. O filme é como a sinfonia, essa sinfonia de Max Steiner, de caráter gershwiniano, que surge como o clímax emocional do todo, num impacto de misérias e grandezas da grande cidade. Nela revela-se melhor o que há de falso e aparente nessa tentativa de revelação da vida que, sente-se, permanece intocada no mistério da sua aventura.
 
Não é um grande filme - é um bom filme, feito com valores efêmeros valendo como eternos. Por isso, ele nos magoa em tudo que se quer de puro e de simples da vida. Essa qualidade, afora outras, de cinema, que realmente existem, ele tem. Ele sacode os nossos nervos espezinhados pelo espetáculo da grande luta total e diária. Suas personagens - o boxeur, o músico, o gângster, o empresário, o dançarino, e o filósofo de rua -, valores efêmeros da grande cidade, coexistem impressionantemente dentro de um mesmo sentimento: o da luta. Apenas, e essa é a nossa ressalva, a grande luta não está presente no filme.