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Depois da tormenta

Última Hora , 18 of August of 1951

Bette Davis é indiscutivelmente uma grande atriz, mas eu sempre tive uma pinimba qualquer com ela, que se foi acentuando com os anos e os maus diretores que a tireoideana, sacro-ilíaca, psíquica "estrela" andou pegando de um bocado para cá. Nunca deixei, no entanto, de admirá-la quando, em performances notáveis como as que deu em A carta ou Little Foxes, que se não me engano passou aqui com o nome de Vaidosa, ela, mais controlada, resolvia em tensão íntima a sua fabulosa naturalidade física de movimentação - coisa que, de resto, deu margem a que fosse um dos motivos prediletos dos imitadores de palco. Eu vi um famoso impersonator americano "bettedavizar" Bette Davis de modo tão genial que, visse-o a atriz, creio que ela se sentiria como diante de um espelho. 

Esses vícios de ação, Bette Davis em geral resolve-os com um bom diretor. William Wyler, que a andou dirigindo por uns tempos, ajustou-a formidavelmente ao seu estilo diretorial, discreto e tenso a um tempo - e agora eu vejo com agrado que Curtis Bernhardt compreendeu também com grande inteligência o problema que ela representa como atriz. Porque com Bette Davis é preciso cortar-lhe um pouco as asas, mas sem ferir fundamentalmente isso que constitui o seu gênio próprio - a sua dinâmica física. 

Neste filme Depois da tormenta, Bette Davis dá mostras sobejas dessa dinâmica. Seu trabalho é vivo e ágil - tanto que achata completamente a interpretação dos demais atores, o que a deixa soberana em cena. Eu estou longe de concordar com alguns de meus colegas de crítica que Depois da tormenta seja um grande filme. Para mim é apenas um bom filme, que cumpre com dignidade a sua função e expõe o problema da separação conjugal sem mentir à vida. A história tem uma pungência especial que o diretor soube levar muito bem, pois ela não está "na cara da criança", para usar a expressão de uma amiga minha; isto é, não é obviamente, situa-se num plano mais recuado, deixando à ação cinematográfica a incumbência de a ir desencadeando naturalmente. 

Bette Davis fez, não há dúvida, uma grande rentrée, que muito provavelmente lhe valerá o Oscar para 1951. Apesar da maneira um pouco teatral com que Bernhardt narra a sua trama, certos recursos roubados ao teatro são de bom efeito, como as aberturas de cena cada vez que Bette Davis rememora o passado conjugal, em que o décor tem um valor de puro teatro. O processo do flashback, pelo qual eu tenho uma certa antipatia, é usado aqui de maneira inteligente. A fotografia é boa, e o som esplêndido. A voz fabulosa de Bette Davis é às vezes trazida para planos mais próximos do que os reais com um resultado espantosamente feliz - o que constitui um excelente emprego cinematográfico de som. Porque negócio de som em cinema... É, mas eu não vou enveredar por esse caminho, não, porque uma vez já fiz isto e deu pano para mangas.