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Como se comportar no cinema

Última Hora , 27 of November of 1951

(A arte de namorar) 

Poucas atividades humanas são mais agradáveis que o ato de namorar, e é sobre a arte de praticá-lo dentro dos cinemas que queremos fazer esta crônica. Porque constitui uma arte fazê-lo bem no interior de recintos cobertos, mormente quando se dispõe da vantagem de ambiente escuro propício. A tendência geral do homem é abusar das facilidades que lhe são dadas, e nada mais errado; pois a verdade é que namorando em público, além dos limites, perturba ele aos seus circunstantes, podendo atrair sobre si a curiosidade, a inveja e mesmo a ira daqueles que vão ao cinema sozinhos e pagam pelo direito de assistir ao filme em paz de espírito.

Ora, o namoro é sabidamente uma atividade que se executa melhor a coberto da curiosidade alheia. Se todos os freqüentadores dos cinemas fossem casais de namorados, o problema não existiria, nem esta crônica, pois a discrição de todos com relação a todos estaria na proporção direta da entrega de cada um ao seu namoro específico. É o que acontece numa cidade altamente civilizada como Londres, onde num logradouro público chamado Hyde Park, os namorados se dispõem às centenas sobre a verde relva do estio, em enormes renques de casais extremamente dedicados a essas deliciosas velhacarias que constituem a cozinha do ato de namorar - tudo isso sobre a férrea proteção da lei. Sim, porque existe a passear de um lado para outro um enorme policeman inglês que fica ali imperturbável a ver que ninguém os perturbe em seus exaltados pegas, em beijos, juras e constantes desentendimentos.
 
Mas num cinema é diferente, sobretudo em cinemas construídos como o foram os nossos, sem a menor atenção arquitetônica ao problema dos namorados. De modo que, uma das coisas que os namorados [não] deveriam fazer é se enlaçar por sobre o ombro e juntar as cabeças. Isso atrapalha demais o campo visual dos que estão à retaguarda. Uma outra coisa a evitar são beijos por demais demorados, isto é, o clinch, porque o espetáculo de um beijo dado "na raça" passa a ter prioridade sobre o espetáculo na tela, e um "fã" pode perfeitamente perder o fio do assunto cinematográfico em virtude de um beijo real a se executar diante de seus olhos. Beijos no cinema devem ser dados com um ar casual e rápido, pois isso não só evita a permanência da curiosidade alheia - a gente abelhuda que fica "morando" o tempo todo no nosso namoro - como porque, afinal de contas, quem quer lutar catch deve mesmo é ir para as últimas filas de cima, onde em geral vale tudo. 

Cochichar então, é uma grande falta de educação entre namorados no cinema. Nada perturba mais que o cochicho constante e embora eu saiba que isso é pedir muito dos namorados, é necessário que se contenham nesse ponto, porque afinal de contas aquilo não é casa deles. 
Um homem pode fazer milhões de coisas - massagem no braço da namorada, cosquinha no seu joelho, festinha no rostinho delazinha; enfim, a grande maioria do trabalho de "mudanças" em automóveis não hidramáticos - sem se fazer notar e, conseqüentemente, perturbar aos outros a fruição do filme na tela. Porque uma coisa é certa: entre o namoro na tela - e pode ser até Clark Gable versus Ava Gardner - e o namoro no cinema, este é que é o real e positivo, o perturbador, o autêntico.